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Vazamento do áudio mostra como partidos cobram fatura do apoio na campanha
Igor Silveira
Publicação: 18/11/2010 08:26 Atualização: 18/11/2010 09:36
A fatura eleitoral cobrada, até então, de maneira velada por integrantes de partidos da base governista tornou-se pública, ontem, durante uma reunião originalmente privada do Conselho Político. O órgão é composto por presidentes e líderes das siglas aliadas ao governo federal, pelos ministros Paulo Bernardo, do Planejamento; e Alexandre Padilha, das Relações Institucionais; além do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante a primeira hora do encontro, o áudio do evento, que deveria ser ouvido somente na sala de audiências do terceiro andar do prédio, vazou em uma caixa de som instalada no comitê de imprensa, no térreo do Palácio do Planalto. O resultado: uma enxurrada de pedidos, questionamentos e até ameaça velada de greve aos dois chefes de pasta que têm relação direta com a transição e são nomes certos no governo da presidente eleita, Dilma Rousseff.
A reunião foi marcada para o início da tarde, na sala onde Lula recebe visitas reservadas, ao lado do gabinete presidencial. A equipe responsável por operar os microfones utilizados no encontro do Conselho Político testava aparelhos adquiridos há pouco tempo pela Presidência. Um comando acionado por descuido permitiu aos jornalistas acompanharem grande parte das discussões. No ambiente privado, os discursos com tons conciliadores foram menos constantes e os parlamentares trataram de assuntos delicados, que costumam ser respondidos, em público, com frases genéricas.
Logo no início da reunião, o ministro Paulo Bernardo tentou preparar o terreno para os temas espinhosos, incluindo o reajuste do salário mínimo, a regulamentação dos bingos e a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional nº 300, que determina novo piso salarial a policiais e bombeiros militares. De acordo com ele, a ordem é segurar, até o fim do atual governo, qualquer medida que cause impacto orçamentário. Por isso, Paulo Bernardo deve ter ficado ressabiado ao escutar do relator do Orçamento, o senador Gim Argello (PTB-DF), na frente de todos, que há margem para fixar o salário mínimo em um valor acima dos R$ 540, anunciado pelo ministro na terça-feira.
“Tem margem para aumentar um pouquinho o mínimo, mas é correto fazer isso? Me explicaram que, se aumentar para R$ 560 ou R$ 570, no repique do ano que vem vai bater em R$ 700. Aí, tem o problema da Previdência. Tem que resolver essa equação e o ministro da Previdência me disse: ‘Segura em R$ 540 e vamos ver o que é possível fazer’. Então, não é pelo salário, é pela Previdência”, revelou Gim Argello, expondo Carlos Eduardo Gabbas, responsável pela pasta.
Esta não foi a única saia justa. Em seguida, o deputado Paulinho da Força (PDT-SP) quis saber sobre a tramitação da PEC 300. Ele explicou aos presentes que é necessário encontrar uma solução para policiais e bombeiros e afirmou que não dava mais para “enrolar o pessoal”. Nas entrelinhas, ameaçou: “Eles estão organizando uma paralisação logo no início do governo Dilma. Vai ser nacional, não será pequena. Uma greve nacional da polícia não é fácil”. Nem assim Paulinho da Força conseguiu comover Paulo Bernardo. O ministro afirmou que o projeto não pode ser aprovado porque representaria mais R$ 43 bilhões para o governo, despesa que não está prevista no Orçamento.
O líder do PR na Câmara, Sandro Mabel, assustou-se com a informação de Paulo Bernardo. “Sobre a PEC nº 300, não tinha noção do impacto: R$ 43 bilhões! É um impacto muito grande, quase inadmissível, uma CPMF cheinha”, disse, antes de propor uma saída. Mabel sugeriu “dar de presente para a Saúde” a regulamentação dos bingos. “A gente dava uma acertada na Saúde, porque são R$ 7 bilhões, sem carga tributária extra. Essa história de você aumentar a carga tributária é complicada”, ressaltou, ganhando apoio de Paulinho da Força. “A maior parte dos parlamentares é a favor da proposta”, completou o parlamentar do PDT paulista.
Qualidade
O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, mostrou surpresa na entrevista coletiva ao fim da reunião. Quando foi questionado sobre os assuntos tratados no encontro, perguntou: “Vocês (os jornalistas) estavam lá?” Ele, no entanto, manteve o discurso de Paulo Bernardo e garantiu que, mesmo com uma eventual ameaça de greve, o governo não quer comprometer as contas e, por isso, não deve ceder aos pedidos dos aliados.
O presidente Lula só entrou na sala quando a reunião se encaminhava para o fim. Cumprimentou a todos e teceu um comentário sobre o amistoso entre Brasil e Argentina antes de o som ser cortado. Um assessor que passava pelo comitê de imprensa estranhou o aglomerado de repórteres e avisou a equipe técnica. Antes de a comunicação ser interrompida, foi possível ouvir um comentário jocoso de um dos presentes. Ao pegar um biscoito levado por Mabel, dono de fábrica do produto, alguém soltou: “Lá (na fábrica) tem controle de qualidade. Os que não passam, ele traz para as reuniões”.
Ressurreição dos bingos
Parlamentares da base e da oposição acolheram com entusiasmo a emenda do deputado Silvio Costa (PTB-PE) que destina à saúde recursos recolhidos com o jogo de bingo. Estudo elaborado pelo parlamentar mostra que a regularização de 1.500 casas de bingo poderia render R$ 9,5 bilhões anuais em impostos aos cofres públicos. Grande parte viria do recolhimento de Imposto de Renda dos prêmios pagos. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), defendeu a legalização dos bingos e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), afirmou que a ideia de usar os recursos para financiar a Saúde pode ser uma “alternativa”.