Segurança pública-Polícias travam batalha política no Congresso

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Polícias travam batalha política no Congresso

Relatório propõe restringir investigações criminais. Procuradores e agentes militares, rodoviários e administrativos ficariam de fora.

Por Luiz Carlos Azedo
Da equipe do Correio

O que era um projeto de lei com objetivo de agilizar as investigações criminais (PL 4.209/01) virou um cabo de guerra entre delegados da Polícia Civil, oficiais da Polícia Militar e promotores públicos, emperrando a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados. O pomo da discórdia é o relatório do deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), que quer restringir a realização de toda e qualquer investigação criminal às polícias civis e federal. A proposta afasta desse tipo de inquérito os promotores e acaba com o registro de ocorrências criminais de baixa intensidade (aquelas com penas de até dois anos), o chamado “termo circunstanciado de ocorrência”, pelas polícias militar, rodoviária e administrativas. Milhares de processos poderão ser anulados na Justiça por vício de origem. O assunto também é objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que está para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O relatório de Itagiba está para ser votado há mais de três meses, quando chegou ao plenário. Voltou, no entanto, para a Comissão de Segurança. “Era para ter sido votado nesta semana, mas o deputado Marcelo Ortiz (PV-SP) entrou com outro projeto sobre o mesmo assunto, que foi apensado. Agora, terei que examiná-lo até a próxima quarta-feira”, lamenta Itagiba. Delegado federal, o parlamentar invoca a Constituição para defender seu parecer. “Querem transferir da Polícia Civil para a Polícia Militar e o Ministério Público, no Código de Processo Civil, atribuições que não estão previstas no texto da Constituição”, argumenta Itagiba. “Daqui a pouco nós vamos ter uma delegacia dentro dos quartéis da PM”, ironiza.

Na verdade, a apresentação do novo projeto de Ortiz, quarta-feira passada, foi uma manobra para impedir a votação do relatório, que exacerba o choque existente entre a Polícia Civil e a Polícia Militar. O parlamentar agiu a pedido do governador José Serra, às voltas com uma crise na segurança pública paulista. O clima de confronto entre as polícias civil e militar em São Paulo ameaça se estender a mais oito estados onde a PM realiza os “termos circunstanciados de ocorrência”. O choque armado entre policiais grevistas e a segurança do Palácio dos Bandeirantes, a cargo da Polícia Militar, pôs mais lenha na fogueira. O presidente da Comissão, deputado Raul Jungman (PPS-PE), reconhece que foi surpreendido pelo grau de mobilização das diversas corporações envolvidas: “Está difícil construir um novo consenso, o jeito é colocar logo o relatório em votação e decidir por maioria na Comissão, deixando a decisão final para o plenário”.

Diariamente, milhares de pequenas ocorrências policiais – acidentes de trânsito, agressões, contravenções, etc. — são administradas por policiais militares. Os “termos circunstanciados de ocorrência”, nesses casos, substituem os inquéritos policiais e são encaminhados aos juizados de pequenas causas. As polícias militares estaduais, responsáveis pela segurança ostensiva, têm mais homens, recursos e qualificação do que a maioria das policias civis estaduais, que estão desaparelhadas e desmotivadas. Além disso, gozam de grande poder político, por cuidar da segurança dos governadores e dos serviços de inteligência estaduais.

REGISTRO

O “termo circunstanciado de ocorrência” é feito pelas polícias militares de oito estados:
São Paulo
Paraná
Santa Catarina
Rio Grande do Sul
Mato Grosso do Sul
Alagoas
Sergipe
Rio Grande do Norte

 

 

 

Críticas por todos os lados

O deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ) quer derrubar o relatório do deputado Marcelo Itagiba, para ampliar a participação de promotores nas investigações criminais e permitir que as polícias militar, rodoviária e administrativa continuem lavrando “termos circunstanciados de ocorrência”. Ele é autor de um voto em separado respaldado pelo Ministério Público. “A Polícia Civil não tem condições de assumir tudo sozinha, quanto mais gente investigando melhor. Nosso problema é a impunidade”, argumenta.

Biscaia é respaldado pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, que durante audiência na comissão, semana passada, condenou a visão de que a investigação é apenas o inquérito. “O inquérito é o aspecto mais relevante, mas o Ministério Público defende apenas que não é o único. E, nessa parte remanescente, achamos válida a possibilidade de um trabalho muito efetivo do Ministério Público desafogando o trabalho policial”, disse.

O presidente do Conselho Nacional de Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros, coronel Édson Araujo, também questiona a concentração de inquéritos na polícia civil. “Hoje, 43% do tempo para o fechamento de uma ocorrência é passado na delegacia. Os gastos com atendimento das ocorrências são de cerca de R$ 260 mil anuais, para aproximadamente 21.380 ocorrências”, afirma.

Já o vice-presidente do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil, delegado Cléber Fernandes, argumenta que a Polícia Militar não está qualificada tecnicamente para prestar esse tipo de atendimento, que exige a tipificação dos delitos. “Não sou contra a celeridade no atendimento policial, mas não podemos passar por cima dos direitos e garantias individuais dos cidadãos por conta dessa celeridade”, destacou. O problema, segundo ele, é que o cidadão está sendo levado para dentro do quartel para elaborar o termo circunstanciado. Isso acaba criando uma duplicidade. “Cada um deve ficar com seu negócio: o da Polícia Civil é ser a polícia judiciária, o da Polícia Militar é evitar que o crime ocorra”, sustentou Monteiro.

O representante da Polícia Federal, delegado Ângelo Fernando Gióia, sustenta que a possibilidade de o Ministério Público investigar criaria um desequilíbrio. Como parte do processo, em que até pode requisitar diligências em inquéritos policiais, o Ministério Público deveria ser afastado da condução da investigação. Na opinião dele, o problema do aumento da criminalidade não está no inquérito policial, mas na demora na fase processual. Gióia cobrou a valorização, o reaparelhamento e a capacitação das polícias.

Proposta polêmica

O PL 4.209/01 tramita em regime de urgência na Câmara. Foi apreciado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) e, após passar pela Comissão de Segurança, segue para votação em plenário. A proposta original, do Poder Executivo, reduz prazos da investigação, acaba com a exclusividade da Polícia Civil e transfere do juiz para o Ministério Público a função de supervisionar e controlar a investigação policial. No entanto, o substitutivo apresentado pelo deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ) mantém a exclusividade da Polícia Civil.