Por: Luã Marinatto – EXTRA/globo.com
Numa manhã de setembro, Blaier Valença, de 29 anos, voltava de carro para casa após um dia de serviço. Em Deodoro, na Zona Oeste, o soldado foi abordado por assaltantes, que o identificaram como PM. Baleado, ele morreu um mês depois — sua mulher, também policial, havia sido assassinada em junho, atingida por um tiro na cabeça enquanto trabalhava. O drama vivido pela família de Blaier está longe de ser um caso isolado: um estudo do Instituto de Segurança Pública (ISP) apontou que policiais de folga, no Rio, têm 5.887% mais chance de virarem vítimas fatais em tentativas de assalto do que pessoas de outras profissões.
O relatório, divulgado no site do ISP, analisou casos ocorridos entre janeiro e novembro do ano passado. No período, 20 agentes da lei — cinco policiais civis e 15 PMs, incluindo Blaier — foram vítimas de latrocínio (termo técnico para o roubo seguido de morte). O número representa um sexto do total de ocorrências no estado ao longo dos mesmos 11 meses (121).
Para chegar ao percentual, os técnicos do ISP compararam a quantidade de casos com o tamanho das duas tropas (aproximadamente 58 mil policiais) e com a população do estado (cerca de 16,5 milhões de pessoas), respectivamente. Dessa forma, a taxa de latrocínios no Rio é de 34 vítimas para cada cem mil policiais, e de 0,6 mortes para cada cem mil habitantes.
O estudo restringe-se apenas às questões estatísticas. Especialistas ouvidos pelo EXTRA, porém, apontam duas possíveis razões para o fenômeno: as situações em que policiais são assim identificados, como no caso de Blaier, e o maior número de ocasiões em que um policial tende a reagir à abordagem criminosa.
— Dados internacionais mostram que quem reage com arma tem três mil vezes mais chances de morrer — diz o sociólogo Michel Misse, professor da UFRJ.
‘Ideal é não reagir’, diz coronel
Coronel reformado da PM, onde foi corregedor por nove anos, Paulo Cesar Lopes afirma que, mesmo na condição de policial, o ideal é nunca reagir à abordagem do assaltante. Mais do que isso: para o oficial, o agente deve evitar andar armado, salvo em circunstâncias nas quais isso se faça estritamente necessário.
— É preciso levar em conta duas variáveis: a do elemento surpresa e a inferioridade numérica, que quase sempre colocarão a vítima em desvantagem — afirma o coronel Lopes, que vê o estudo do ISP com ressalvas: — Estatística é igual a biquíni, cada um coloca como quer. Acho que pode difundir uma sensação de terror entre os policiais.
Lopes explica ainda que, na PM, é obrigatório o porte da carteira funcional, e infringir essa regra pode submeter o policial a punições. Ele acrescenta, contudo, que o agente pode e deve “camuflar” o documento, evitando deixá-lo facilmente à vista.
Além de tratar dos casos de latrocínio no ano passado, o relatório do ISP também compila o número de mortes de policiais civis e militares desde 1998, separando entre os que estavam de folga e de serviço — veja mais no quadro acima. Foram, ao todo, 2.461 óbitos no período, ou um a cada dois dias e meio, aproximadamente. As mortes de PMs correspondem à maior parte dos casos: foram 2.183 nesses 18 anos, ou 89% do total.
Entrevista
‘É importante endurecer as leis para quem agride o policial’, diz o coronel José Vicente, ex-secretário nacional de Segurança Pública
Como diminuir esses números?
José Vicente: É importante endurecer as leis para quem agride um policial, algo feito só recentemente no Brasil. Na Inglaterra, pega-se prisão perpétua. Nos Estados Unidos, onde ela é aplicada, é pena de morte. O que controla o crime é a eficiência de resposta que se dá a ele.
É comum que policiais reajam?
José Vicente: O policial, por ter treino e arma, acha que está em superioridade, mas, ao reagir, acaba morrendo. Num assalto, a vantagem do agressor é, em geral, bem maior. Além disso, a arma é ótimo instrumento de ataque, mas ruim para se defender.
O policial deve portar a arma mesmo estando de folga?
José Vicente: Deveria haver, pelo menos, um estudo que mostre quando isso é de fato vantajoso. Muitas vezes, por exemplo, ele acaba compelido, de folga, a intervir numa situação, o que também é arriscado. Eu, quando na ativa, raramente portava minha arma.
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