OS Serviços de Bombeiros no Brasil e as tentativas de privatização pelos “Bombeiros Voluntários”

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OS Serviços de Bombeiros no Brasil e as tentativas de privatização pelos “Bombeiros Voluntários”

– perspectivas de um novo modelo –

 

*CEL BM José Luiz Masnik

  

A participação de voluntários nas atividades de bombeiros no Brasil é bastante antiga, ocasionada por uma demanda reprimida, aliado a histórica ausência do Estado nesse setor.

 Na região sul do Brasil, particularmente nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, unidades da federação povoadas principalmente por imigrantes europeus, surgiram nas últimas décadas em diversos municípios entidades civis sem fins lucrativos que se puseram a executar ações típicas de bombeiros, as quais estão organizadas em associações estaduais, com forte participação política, aliada a participação do poder econômico, e mesmo de recursos públicos, no custeio dessas entidades.

 Esse movimento de privatização dos serviços de bombeiros, através dos auto denominados “corpos de bombeiros voluntários” vem avançando pelo Brasil, principalmente no Estado do Rio Grande do Sul, passando de 06 (seis) municípios com bombeiros privados em 1997, para mais de 40 municípios em 2007.

 Importante destacar que a execução desse serviço público por entidades privadas de bombeiros não encontra amparo na legislação brasileira, visto que é uma atividade constitucionalmente reservada aos Estados membros e ao Distrito Federal, através de seus Corpos de Bombeiros Militares, a quem cabe a orientação técnica e o interesse pela eficiência operacional de seus congêneres municipais e particulares, conforme estabelece o § 2° do Art. 44 do Decreto n° 88.777 de 30 de setembro de 1983 (R-200).

 Com referência a esse dispositivo legal, cabe ressaltar que a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 144, V e § 5°, definiu que cabem aos Corpos de Bombeiros Militares os serviços de bombeiros, a serem definidos em lei específica e a execução de atividades de defesa civil, não tratando em nenhum momento de corpos de bombeiros municipais ou particulares. Sendo que por “congêneres particulares” entende-se as brigadas das empresas privadas previstas, conforme o que estabelece o Art. 140 do Decreto n° 11.258 de 16 de setembro de 1988, que estabelece o regulamento de segurança contra incêndio e pânico, no Distrito Federal.

 Dessa forma as entidades sem fins lucrativos ou organizações não governamentais que atualmente operam serviços de prevenção e combate a incêndio, busca e salvamento, e mais recentemente o atendimento pré-hospitalar, não encontram amparo na carta magna ou na legislação infraconstitucional federal, estando apenas presente em legislações estaduais ou municipais, as quais são de questionável constitucionalidade.

 Diante dessa constatação podemos inferir que a sua atividade nessa área é flagrantemente ilegal, por inúmeras razões, dentre as quais podemos destacar:

 Trata-se de serviço público próprio do Estado, de natureza essencial, o qual segundo sedimentado em nossa doutrina é indelegável ao particular, principalmente quando essa atividade envolve o poder de polícia administrativo do Estado. Entretanto em diversos municípios brasileiros a atividade de fiscalização de projetos e vistorias é realizada por essas entidades de direito privado, entre os quais podemos citar os municípios de Joinville e Jaraguá do Sul em Santa Catarina.

 O exercício de função pública, pelos entes privados na seara dos serviços de natureza essencial da área de segurança pública contraria disposições do ordenamento jurídico pátrio, pois a sua atuação em sinistros ou acidentes com vítimas fatais ou com lesões corporais, viola o local do crime, e sua ação em atos de fiscalização e vistorias e exame de projetos, configura, em tese, a prática de crime de usurpação de função pública, previsto no Art. 328 do Código Penal Brasileiro.

 Constata-se a grande maioria das entidades privadas que desenvolvem atividades de bombeiros no sul do Brasil mantêm em seus quadros funcionários profissionais, ou seja, com vínculo empregatício e remuneração mensal, não se caracterizando como serviço voluntário, conforme o que estabelece a Lei 9.608/98.

 Em alguns municípios, dos quais destacamos o município de Joinville, tais profissionais mantêm vínculo com sindicatos de trabalhadores da iniciativa privada, de outras atividades, visto que a profissão de bombeiro não é regulamentada no Brasil, pois se trata de uma função pública integrante dos quadros funcionais dos Corpos de Bombeiros Militares Estaduais e do Distrito Federal.

 Importante destacar que uma das funções primordiais de um Estado democrático de direito é a segurança e proteção do cidadão, entretanto, aproximadamente 80% (oitenta por cento) dos municípios brasileiros não dispõe dos serviços de prevenção, combate a incêndios, busca e salvamento, atribuições constitucionais dos Corpos de Bombeiros Militares, como órgão do sistema de segurança pública, estabelecido no Art. 144 da Constituição Federal de 1988.

 O assunto, pela sua relevância no contexto social brasileiro merece das autoridades constituídas uma atenção especial e a busca de solução para o problema, em ação conjunta com a sociedade,

 Nesse sentido, entendemos que a parceria entre o poder público e a comunidade apresenta-se viável, onde se mantém um efetivo fixo de bombeiros militares, adequado ao porte do município, os quais são responsáveis pela capacitação e manutenção dos bombeiros civis comunitários, que prestam o serviço voluntário.

 Como exemplo de programa bem sucedido entre o Estado e a sociedade civil organizada, podemos destacar o projeto catarinense denominado “Corpo de Bombeiros Comunitário”, que é a parceria entre Estado, por meio do Corpo de Bombeiros Militar e a comunidade, por meio dos cidadãos e cidadãs que prestam o serviço voluntário, após treinamento específico ministrado pelos bombeiros militares.

 O êxito do projeto é comprovado pelo fato de que Bombeiro Comunitário, iniciado no ano de 1997, permitiu a expansão dos serviços a mais 65 (sessenta e cinco) municípios, passando de 24 (vinte e quatro) em 1996, para 89 (oitenta e nove) em 2008, com acréscimo de apenas 440 (quatrocentos e quarenta) Bombeiros Militares em seu efetivo. Dessa forma essas comunidades passaram a ser assistidas pelo serviço essencial de bombeiros, sem comprometimento da qualidade e em consonância com os preceitos legais vigentes.

 Tal medida permite a implantação de novas Organizações de Bombeiro Militar em outros municípios, atendendo a demanda existente, com custo/benefício compatível com a realidade econômica do Estado, o qual dispõe de recursos limitados para custeio de pessoal, em cumprimento aos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

 Além de Santa Catarina, outros Estados estão adotando o programa de voluntariado em suas instituições militares como forma de expandir seus serviços a um número maior de municípios, conforme demonstram estudos realizados.

 Necessário destacar que a prestação do serviço voluntário nos Corpos de Bombeiros Militares enseja o estabelecimento de regulamentação pelo Estado, a fim de dar sustentação legal à sua atuação, tanto com relação à responsabilidade do agente, como em relação às garantias que o ordenamento jurídico assegura ao cidadão.

 Assim, o serviço voluntário é uma realidade no Brasil, que permite ao cidadão participar, de forma democrática e ativa na solução dos problemas enfrentados pela sociedade contemporânea.

 O Estado, por sua vez deve desempenhar papel de fomentador da participação comunitária nos serviços prestados à população, entretanto mantendo seu papel como responsável pelos serviços públicos, conforme estabelece o ordenamento jurídico brasileiro, e de forma alguma buscar transferir a sua responsabilidade à sociedade.

 A busca da inovação deve ser constante, pois representa nova forma de tratar os problemas, havendo, ou não, recursos financeiros suficientes. Significa normalmente reverter uma condição negativa para estabelecer uma relação positiva. Inovar também é olhar com outros olhos os problemas, descobrir novas formas de desenvolvimento, redescobri-la com olhos não presos a um paradigma antigo e tradicional.

 O processo de voluntariado no Brasil é uma realidade e o cidadão mostra-se motivado por valores de cidadania e solidariedade, doa seu tempo, trabalho, talento e competência, de maneira espontânea e não remunerada, em prol de causas de interesse social e comunitário.

 A ação voluntária verdadeira visa a ajudar pessoas, a resolver problemas sociais, a melhorar a qualidade de vida da comunidade. Seu sentido é eminentemente positivo ao mobilizar energias, recursos e competências em prol de ações de interesse coletivo.

 O voluntariado não tem como fim competir com o trabalho remunerado nem substituir a ação do Estado, pois sua função não é a de compensar carências de recursos humanos. Uma sociedade participativa e responsável, capaz de agir, não espera tudo do Estado, mas, tampouco abre mão de cobrar do governo àquilo que só ele têm a competência e pode fazer, e obrigação como resposta aos tributos pagos pelo cidadão.

 Uma análise mais profunda indica a necessidade de que o Estado se manifeste efetivamente, por meio de suas instituições de Bombeiros Militares, visando estabelecer a implantação do serviço voluntário, baixando portarias e/ou resoluções disciplinando esta importante modalidade de prestação de serviço.

 As Corporações de Bombeiros Militares Estaduais, a exemplo de outras instituições públicas, não podem e não devem permanecer estáticas, devem sim inovar e buscar soluções alternativas cujo custo/benefício seja compatível com a realidade econômica nacional, perfeitamente amparada pelo ordenamento jurídico, particularmente a Lei n° 9.608 de 18 de fevereiro de 1998.

 Por derradeiro podemos concluir que o serviço voluntário se apresenta como uma medida legal, viável, sem prejuízo da coordenação e controle, para a ampliação dos serviços prestados pelos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados da Federação às comunidades e aos municípios desassistidos, e também, sem comprometer a qualidade desses serviços essenciais prestados à sociedade,

 

 * JOSÉ LUIZ MASNIK, é Oficial Superior (Coronel) do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade do Contestado – Campus Canoinhas/SC. Bacharel em Direito pela Universidade do Contestado – Campus Curitibanos/SC. Curso Superior de Bombeiro Militar no Centro de Altos Estudos de Comando e Estado Maior do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal.