Decisões das ADINs 70014426563 e 70010738607 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul –TJRS: garantia da lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Brigada Militar e manutenção da previdência especial dos militares do Estado. Conse

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Decisões das ADINs 70014426563 e 70010738607 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul –TJRS: garantia da lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Brigada Militar e manutenção da previdência especial dos militares do Estado. Conseqüências das decisões.

 

 

Rafael Monteiro Costa[1]

 

Introdução

 

As recentes decisões prolatadas pelo órgão especial do TJRS nas ADINs 70014426563 e 70010738607, que tratam, respectivamente, da constitucionalidade da portaria SJS nº 172/2000 que atribuiu a possibilidade de lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência à Brigada Militar e a declaração de inconstitucionalidade da expressão militares contida na lei estadual 12.065/04 que modificou a previdência dos servidores públicos do Estado, trouxe conseqüências até então pouco exploradas pela doutrina, com repercussão direta para a administração e o poder judiciário, forte no comando do art. 102, § 2º da Constituição Federal.[2]

 

Do controle abstrato de constitucionalidade

 

Ao adotar o modelo norte-americano de controle de constitucionalidade das leis, na sua redação original, a Constituição Federal – CF, admite que o poder judiciário faça o controle repressivo de constitucionalidade das leis, seja este na forma abstrata ou concentrada (no STF frente a CF e nos Tribunais de Justiça frente às Constituições Estaduais), seja na forma incidental ou difusa, onde qualquer juiz, no caso concreto, pode afastar a aplicação de uma lei ou parte desta por entender ser inconstitucional ou não recepcionada frente à magna charta.

Trata-se do sistema judicial de controle de constitucionalidade, ao contrário do sistema político, tipicamente liberal, conhecido como judicial review.[3]

Entretanto, após a promulgação da Emenda Constitucional de nº 3, passou o sistema a voltar os olhos para o velho mundo, trazendo ao sistema de constitucionalidade pátrio mecanismo existentes nas constituições européias, em especial a alemã.[4]

A finalidade do controle abstrato ou concentrado de lei ou ato normativo visa pacificar as controvérsias constitucionais, trazendo segurança jurídica à comunidade e impedindo a repetição de ações no sentido de questionar a constitucionalidade do ato, vindo o legislador constitucional derivado atribuindo vinculação da decisão à administração e as instâncias inferiores do poder judiciário.

Significa que a administração e os juízes de tribunais inferiores e de primeira instância, uma vez declarada inconstitucional ou constitucional lei ou ato normativo, no todo ou em parte, pelo STF em relação a CF ou TJ frente às constituições estaduais, não poderão redargüir a decisão de mérito da superior instância, devendo obedecer à declaração da corte constitucional.

 

 

ADIN 70014426563: decisão de mérito que vincula a administração e o judiciário estadual quanto à constitucionalidade, frente à carta estadual – CE, da lavratura do TC pela Brigada Militar.

 

Em 2000, em decisão inovadora na ordem jurídica e adotando os objetivos da lei federal 9.099/95, o governo do Estado do RS, através da pasta de segurança pública, editou a portaria SJS nº 172, a qual possibilitou a polícia militar do Estado do RS à lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência –TC, nas ocorrências de delitos de menor potencial ofensivo, quando presentes as condições do art. 302 do CPP.

A decisão, a par de adotar a majoritária doutrina e o parecer da comissão de estudos da lei 9.099/95 em relação ao conceito de autoridade policial contido no art. 69 do citado diploma legal, nunca foi aceito pelos delegados de policia do Estado, que apegados ao anacrônico código de processo penal – CPP, entendem que somente o delegado de polícia é o agente público habilitado a lavrar o TC, a exemplo do Inquérito Policial.

Como argumentos principais, aduziram através de sua entidade de classe (ASDEP) que a CF atribui exclusividade à Polícia Civil atos de polícia judiciária, bem como o CPP determinar que somente o delegado de polícia está conceituado como autoridade policial.

Assim, conforme legitima a CE, como entidade de nível estadual e com previsão estatutária de resguardar os interesses da classe, ingressou a ASDEP com ADIN no TJRS, invocando a contrariedade da portaria SJS nº 172/2000 à CE.

Indeferida a liminar requerida, por maioria absoluta, o órgão especial do TJRS julgou improcedente o pedido, declarando constitucional a portaria frente a CE, pronunciando-se quanto ao mérito da seguinte forma:

 

MÉRITO. Não verifica afronta à repartição constitucional das competências entre as polícias civil e militar. Expressão autoridade policial referida no art. 69 da Lei nº 9.099-95 compreende quem se encontra investido em função policial, ou seja, a qualquer autoridade. Ato que insere nas atribuições específicas do titular da Secretaria da Justiça e da Segurança, a quem é assegurada a competência sobre serviço policial militar e serviço policial civil (art. 8º, I, da Lei Estadual nº 10.356-95). Prévio acordo entre o Ministério Público e a Polícia Estadual é decorrência do limitado alcance regulamentar do ato, de modo a programar paulatinamente sua observância nas comarcas que estiverem preparadas para o cumprimento das ações concretas do órgão da Administração responsável pelos serviços policiais. Hipótese de improcedência do pedido.

 

A decisão de mérito é marco nacional na consolidação da competência de lavratura do TC por todo policial, seja civil, militar ou federal.

Por força da CF e do art. 28 da lei federal 9868/99[5], não cabe mais a discussão da constitucionalidade da lavratura do TC pela polícia militar no Estado do RS, frente a CE, não podendo a administração anular/revogar o ato por sua constitucionalidade, pois está vinculada a decisão de mérito da corte constitucional estadual.[6]

No mesmo sentido, nenhum juiz, no controle difuso, poderá questionar a constitucionalidade da portaria frente a CE, que reproduz dispositivos da CF, não podendo, v.g., deixar de receber o TC lavrado pela BM por entender que o ato é exclusivo da polícia civil, através de delegado de polícia.

A via escolhida pela ASDEP tem a comparação ao único tiro do policial: se errar, não há como refazer o ato. E foi o acontecido. Impetrada a ADIN e sendo esta improcedente, impossibilitou que decisões no controle difuso pudessem sedimentar jurisprudência na tese que esposava.

Desta forma, caso o comandante da fração da BM se depare com alguma resistência do Ministério Público, Judiciário ou delegado de polícia quanto a lavratura do TC pela BM, cabe indicar a autoridade recalcitrante que observe o conteúdo da ADIN em epigrafe, e caso persista em não observá-la, cabe reclamação ao TJRS, para fazer valer sua decisão e responsabilizar a autoridade administrativa e/ou judiciária. 

 

ADI 70010738607: manutenção do regime previdenciário dos militares do Estado conforme a lei estadual 7.672/72

 

As alterações no sistema jurídico dos servidores públicos, em especial nas regras previdenciárias, a nível federal, com a promulgação das EC 18, 19 e 41, trouxeram várias inovações em prejuízo dos servidores públicos.

Na adequação das disposições federais, o legislador estadual editou a lei 12.065/04, a qual instituiu alíquota de 11% para a previdência dos servidores, civis e militares.

Diante da flagrante ilegalidade de instituir alteração previdenciária a nível estadual aos militares do Estado, blindados da reforma da previdência pela EC 18, que instituiu a categoria dos militares estaduais (art. 42 da CF) separados dos servidores públicos, a Associação dos Oficiais da BM, por seu presidente, Cel RR Cairo Bueno de Camargo, ofereceu representação ao custus legis, o MP, a fim de que o procurador – geral de justiça avaliasse a constitucionalidade da lei estadual 12.065/04.

Sua Exª, o procurador –geral de justiça, Dr. Roberto Bandeira Pereira, avaliando a norma estadual em epigrafe, concluiu que estava parcialmente eivada de inconstitucionalidade frente à carta estadual, que no seu art. 47 reproduz as disposições aplicáveis aos militares do estado determinado pela CF, em especial seus art. 42 e 142.

Requereu sua exª a concessão pelo presidente do TJRS medida liminar, sendo esta deferida inaudita altera pars, nos seguintes termos:

 

“A Lei concedeu um tratamento igual a categorias distintas”, assinalou o Desembargador Stefanello, sublinhando que os militares têm regramento próprio,  estabelecido por Lei Estadual – Lei Complementar n° 10.990/97, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Acrescentou que a partir da Emenda Constitucional n° 18/98, os militares foram excluídos da categoria de servidores públicos.

Remeteu ao expresso na Constituição Federal, no parágrafo 1° do art. 42, que estabelece para a categoria a incidência do disposto no art. 142, parágrafo 3°, inciso X. O dispositivo prevê lei própria acerca da transferência para a inatividade, direitos, deveres, remuneração e outras situações especiais.

O magistrado atentou ainda para o fato de a Emenda Constitucional n° 41/03 não ter tratado especificamente da cobrança de contribuição dos servidores militares para o custeio do regime previdenciário.

Finalizando, considerou caracterizado o perigo de demora na manutenção da lei “eivada de inconstitucionalidade”, com conseqüências danosas para a ordem pública, “que reside não só na insegurança jurídica da categoria como, principalmente, para a sociedade em ver disposta em lei estadual que regulamenta o regime próprio de previdência pública matéria não abarcada em sede constitucional, seja federal, seja estadual”.[7]

 

 

 

Em face de concessão da medida liminar, que não foi cassada pelo STF (o Estado do RS ingressou com recurso de suspensão de segurança que foi indeferida), fica valendo a legislação anterior a lei 12.065/04 aos militares estaduais, por força do art. 11, § 2º da lei 9.868/99:

 

Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I deste Capítulo.

        § 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa.

        § 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.

 

A norma aplicável aos militares do Estado, referendada no julgamento de mérito, onde o órgão especial do TJRS, por maioria absoluta, julgou inconstitucional a expressão militares contida na lei estadual 12.065/04, é a da lei 7.672/72, cuja alíquota para previdência dos militares estaduais é de 5,4%.

Assim, a repristinação da lei 7.672/72 é pertinente aos militares estaduais, forte no art. 11, § 2º da lei federal 9.868/99.

São ilegais quaisquer contribuições previdenciárias dos militares estaduais inativos (reserva e reformados) por falta de norma para sua contribuição na lei estadual 7.672/72, bem como os “boatos” de não pensionamento aos dependentes caso venha a falecer o militar, pois o pensionamento decorre da dependência econômica da esposa, companheira ou filho (menor ou maior incapaz).

Por força da vinculação da decisão, as Câmaras Cíveis do TJRS não podem “mitigar” a aplicação da legislação previdenciária dos militares do Estado, aplicando a alíquota de 5,4% no que exceder o limite de benefícios do regime geral de previdência do INSS, como fazem em relação aos servidores civis, que recolhem 11% acima do teto de benefícios do regime geral.

O militar inativo não deve contribuir em nada para a previdência do Estado, pois o constituinte federal, e por via reflexa, o estadual nada modificaram quanto aos direitos previdenciários anteriores a reforma, que atinge somente os civis.

Neste sentido, o mérito da ADIN:

 

PREVIDÊNCIA PÚBLICA. CONTRIBUIÇÃO ÚNICA PARA SERVIDORES CIVIS E MILITARES. INCONSTITUCIONALIDADE.

1. É inconstitucional o art. 1.° da Lei 12.065/04-RS ao estabelecer contribuição previdenciária em percentual único para servidores civis e militares, vez que o regime previdenciário, em razão da diversidade de regras (expulsória) necessariamente há de ser diferente.

2. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

 

Conclusão

 

Frente a vinculação das ADINS julgadas em seu mérito, é constitucional a lavratura do TC pela BM, não podendo ser questionada enquanto viger a decisão de mérito proferida, seja pela administração, seja pelo próprio poder judiciário, bem como a reforma previdenciária não atingiu aos militares estaduais, vigendo para esta categoria as regras da lei estadual 7.672/72, repristinada pela concessão de liminar e confirmação da inconstitucionalidade da expressão militares contida no art. 1º da lei 12.065/04.

 

 


[1] Capitão da BM, especialista em direito processual civil; ambiental; penal e processual penal pela ULBRA/Canoas

[2] § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[3] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:RT. 18ª ed. 2006. p. 319.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 90: a emenda constitucional n. 3, de 17 de março de 1993, disciplinou o instituto, firmando a competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, processo cuja decisão definitiva de mérito possui eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Executivo e do Judiciário.

[5] Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

        Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

[6] PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. São Paulo: RT, 2001. pg. 229.

[7] Fonte imprensa TJRS: http://www.tj.rs.gov.br/site_php/noticias/mostranoticia.php?assunto=1&categoria=1&item=30677&voltar=S