A vitaliciedade dos Oficiais Militares Estaduais e a perda da função pública em eventual condenação por crime de tortura
Rafael Monteiro Costa1 Capitão – Brigada Militar – RS
1. Introdução
O crime de tortura traduz com perfeição a face mais bestial do ser humano,retroagindo a humanidade a tempos de barbárie, onde o supliciado é objeto do torturador, o qual obtém confissões de fatos muitas vezes sequer praticados, subvertendo a civilidade e maculando, muitas vezes, as instituições policiais.
2. Ante a carência de efetiva segurança pública aos administrados, propositada pelo abandono dos órgãos de segurança do Estado, especialmente às Policias Militar e Civil, que atuam na criminalidade de massa, muitas vezes esta odiosa prática de subjugar o “suspeito” é vista como algo necessário, senão imprescindível pelo cidadão acuado. Mesmo pugnando pela repulsa e ojeriza a prática da tortura, é inolvidável estabelecer a condição humana do agente perpetrador da tortura, como sujeito de direitos, o qual, sob pena de cometer o Estado a mesma violência que reprime, deve ter assegurado o devido processo legal, como pessoa humana.
No artigo, será analisada decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, a qual declarou que a condenação de policial militar por delito de tortura, dispensa a motivação quanto à perda da função pública, sendo esta automática e a necessidade de pronunciamento do Tribunal Militar competente para perda do posto do Oficial Militar Estadual.
3. Da abolição das Penas Acessórias O princípio da motivação das decisões judiciais é inafastável do Estado Democrático de Direito, apanágio erigido a norma constitucional, esculpido no art. 93, IX da magna charta. Desta forma, mesmo o legislador infraconstitucional tendo determinado a perda automática da função pública no caso de condenação transitada em julgado por crime de tortura, é dever do magistrado fundamentar sua decisão, pois a perda da função é penalidade que transcende a figura do condenado, atingindo terceiros, v.g., seus familiares.
Entendemos que deve ser trazida a baila o escopo da reforma da parte geral do Código Penal, que em 1984 aboliu os efeitos automáticos da penas acessórias, sendo necessário que o juiz fundamente sua decisão, no caso, a perda da função pública do condenado.
4. Assim, com a devida vênia da corte superior, entendemos que não podemos retroagir a épocas obscuras, com decisões carentes de fundamentação, sob pena de excessos não mais condizentes com o modelo republicano no trato das liberdades individuais.
5. A vitaliciedade dos Oficiais Militares Estaduais e a inconstitucionalidade da perda do posto e patente do Oficial Militar Estadual pela Justiça Comum A par da necessidade de fundamentação da decisão da perda da função pública, os Oficiais Militares Estaduais, por força do art. 42, §1º c/c 142, § 3º, VI e VII, ambos da Constituição Federal, somente podem perder o posto e a carta patente de Oficial por decisão do Tribunal Militar competente (existente nos Estados do RS, SP e MG) ou pela câmara criminal especial dos Tribunais de Justiça, nos demais Estados da Federação. Trata-se de vitaliciedade, conferida aos Oficiais Militares dos Estados, por expressa disposição constitucional.
Assim, sendo condenado o Oficial por tipo de tortura, deverá o juiz de direito remeter a sentença, com certidão de trânsito em julgado, ao Tribunal de Justiça Militar do Estado (RS, SP e MG) ou para a Câmara Criminal do TJ (demais Estados da Federação), para que o procurador de justiça ofereça ação de natureza cível (administrativa) para decretação da perda do posto e patente do Oficial, declarando-o indigno para o Oficialato. A norma processual é constitucional, não podendo prevalecer o disposto na lei 9455/97.
Conclusão
A perda da função pública do condenado por tipo penal previsto na lei de tortura não á automática, devendo ser fundamentada, ante a abolição das penas acessórias e o contido no art. 93, IX da constituição federal. Em relação aos Oficiais Militares Estaduais, somente pode ser decretada a perda do posto e da patente do oficial após o regular processo previsto nos art. 42, §1º c/c 142, § 3º, VI e VII, ambos da Constituição Federal, eis que se trata de norma processual constitucional, não podendo o juiz criminal comum impingir tal penalidade ao Oficial, que possui vitaliciedade.