ANÁLISE DA AÇÃO PREVENTIVA DA POLÍCIA MILITAR NO MUNICÍPIO: O PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO E IMPLICAÇÕES NA ORDEM PÚBLICA.

Artigos

análise da ação preventiva da polícia militar  no município:

o poder de polícia do município e implicações na ordem pública.

 

Arno Senem[1]

Marlon Jorge Teza[2]

 

RESUMO

 

A presente pesquisa debruçou-se na análise da possibilidade de atuação preventiva da Polícia Militar mediante normas administrativas elaboradas pelo Município. A análise recai especificamente na possibilidade do Município contribuir efetivamente para a preservação da ordem pública mediante a elaboração de normas administrativas, fornecendo suporte legal para a atuação preventiva, atuando nas causas da desordem pública ocorridas no âmbito do Município nos casos de ausência normativa de outro ente federativo. O Município tem constitucionalmente o poder de interferir e influenciar condutas que devam ser observadas em seu território. Assim, a Polícia Militar terá mais um instrumento para exercer sua atribuição de preservar a ordem pública. Demonstra-se a possibilidade do Município participar efetivamente da ordem pública visto que, o Município tem legitimidade para legislar em assuntos de interesse local, sendo a ordem pública, inegavelmente um assunto de interesse local. Suscita-se, de igual modo, a competência da Polícia Militar para o exercício do ato de polícia do Município em atos que reflitam na segurança pública. Ainda, foi realizada uma abordagem acerca da importância da atuação sinérgica da Polícia Militar e do Município na atuação preventiva visando prevenir condutas que venham prejudicar a sociedade. A pesquisa valeu-se do método dedutivo, sendo realizada mediante técnica bibliográfica e exploratória, através de estudos da legislação, doutrina e jurisprudência pertinentes. Ao final, concluiu-se que a atividade de preservação da ordem pública, através de normas administrativas editadas pelo Município, com a atuação da Polícia Militar, goza de respaldo constitucional e tem grande efetividade para a preservação da ordem pública.

Palavras-chave: Município. Polícia Administrativa. Ordem Pública. Polícia Militar.

 

1 INTRODUÇÃO

 

A crescente concentração de pessoas nos espaços urbanos é fato que se constata. Na mesma proporção da concentração populacional estão os conflitos resultantes da convivência social. Com o intuito de tornar a convivência harmoniosa, o Estado intervém na vida das pessoas editando normas as quais têm a pretensão de organizar e harmonizar a vida social. Dentre as normas postas pelo Estado que visam proporcionar a convivência harmoniosa constatamos as normas relativas à ordem pública.

A partir da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), efetua-se uma análise da possibilidade de atuação preventiva da Polícia Militar mediante normas preventivas elaboradas pelo Município elencando-se uma série de condutas que podem ser prevenidas.

Necessário estudar os aspectos que estão diretamente relacionados com o tema: As atribuições da Polícia Militar; A competência do Município para legislar acerca de assuntos de ordem pública e; Competência para aplicação das normas de ordem pública do Município.

Dentre os motivos que levaram a optar pelo presente tema, podem ser citados os seguintes: a) Os princípios do Direito Penal, especificamente o da intervenção mínima, segundo o qual a norma penal será o último recurso; b) A constatação que a prisão não cumpre a sua função de ressocializar;  c) A impunidade acaba por contribuir com desordem e a violência; d) Possibilidade do Município contribuir efetivamente com a segurança pública; e) Inversão do ônus da prova; f) Possibilidade de oferecer segurança com maior eficiência.

Trata-se de pesquisa aplicada que tem  o propósito de gerar conhecimentos para aplicações práticas e exploratória que tem a finalidade desenvolver, esclarecer conceitos e ideias. (GIL, 2012). Foi utilizada a modalidade de pesquisa bibliográfica, “[…] desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.” (GIL, 2012, p. 50). Utilizou-se o método dedutivo, “[…] que parte do geral e, a seguir, desce ao particular. Parte de princípios reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis e possibilita chegar a conclusões de maneira puramente formal, […].” (GIL, 2012, p. 9).

Para desenvolver a pesquisa e ainda para facilitar o entendimento acerca do tema este foi desenvolvido em três itens distintos. Num primeiro momento é efetuada uma análise da missão da Polícia Militar, a “Polícia Ostensiva”. No momento seguinte é efetuada uma análise da competência do Município para elaborar normas que auxiliem na preservação da ordem pública. Por fim, é analisada a atribuição exclusiva da Polícia Militar para o exercício de polícia preventiva do Município que importe em segurança pública.

 

2 DESENVOLVIMENTO

 

A presente pesquisa será desenvolvida em três momentos distintos em razão de importarem em três aspectos relevantes referentes ao tema os quais passamos a discorrer.

 

2.1 Poder de Polícia

 

Podemos dizer que o Estado é dotado de poderes políticos e poderes administrativos. Os poderes políticos são exercidos pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no desempenho das suas funções constitucionais. Os poderes administrativos, por sua vez, difundem-se por toda a Administração e se apresentam como meio de atuação do ente público, adequados à realização das atividades administrativas. (MEIRELLES, 2013)

A doutrina clássica classifica os poderes administrativos em poder hierárquico, poder disciplinar, poder regulamentar e poder de polícia. De acordo com essa classificação entendem os doutrinadores que o poder vinculado e o poder discricionário estão inseridos no poder de polícia. Constata-se que o poder de polícia é um dos poderes administrativos.

Existe conceito legal e doutrinário acerca do poder de polícia. Com relação ao conceito legal, este encontra-se delineado no Código Tributário Nacional, Lei n. 5.172, de 25 de Outubro de 1966, em seu artigo 78 que assim conceitua:

 

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (BRASIL, 1966)

 

Entendem os doutrinadores que o poder de polícia é o ato pelo qual a Administração Pública limita a liberdade e a propriedade particular condicionando-as ao interesse público.

Meirelles ensina que “Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar ou restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.” (MEIRELLES, 2012, p. 139). Cretella Jr afirma que poder de polícia pode ser entendido como “a faculdade discricionária da Administração limitar, dentro da lei, as liberdades individuais em prol do interesse coletivo.” (CRETELLA JUNIOR, 2000, p. 542).

 A atuação do Estado no exercício do poder de polícia desenvolve-se em quatro fases que alguns autores chamam de ciclo de polícia. As fases do ciclo de polícia são a ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia.

 

A atuação do Estado, no exercício de seu poder de polícia, se desenvolve em quatro fases: a ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia. A ordem de polícia se contém num preceito, que, necessariamente, nasce da lei, pois se trata de uma reserva legal (art. 5º, II), e pode ser enriquecido discricionariamente, consoante as circunstâncias, pela Administração. […]. O consentimento de polícia, quando couber, será a anuência, vinculada ou discricionária, do Estado com a atividade submetida ao preceito vedativo relativo, sempre que satisfeitos os condicionamentos exigidos.

 A fiscalização de polícia é uma forma ordinária e inafastável de atuação administrativa, através da qual se verifica o cumprimento da ordem de polícia ou a regularidade da atividade já consentida por uma licença ou uma autorização. A fiscalização pode ser ex officio ou provocada. No caso específico da atuação da polícia de preservação da ordem pública, é que toma o nome de policiamento.

Finalmente, a sanção de polícia é a atuação administrativa auto-executória que se destina à repressão da infração. No caso da infração à ordem pública, a atividade administrativa, auto-executória, no exercício do poder de polícia, se esgota no constrangimento pessoal, direto e imediato, na justa medida para restabelecê-la. (BRASIL, 2001).

 

Importante mencionar que o poder de polícia não é ilimitado e tem seu controle fundado na observância dos direitos assegurados aos administrados pelo ordenamento jurídico e ainda na proporcionalidade. O limite legal, no entendimento de Gasparini, “[…] reside na observância dos direitos assegurados aos administrados pelo ordenamento jurídico”. (GASPARINI, 2009, p. 132). A proporcionalidade, conforme Gasparini, “Esta consiste no uso adequado da coação.” (GASPARINI, 2009, p. 133).

Em relação ao Poder de Polícia, afirmam os autores que o poder de polícia classifica-se em polícia administrativa e polícia judiciária.

 

2.1.1 Polícia Administrativa

 

Alexandre de Moraes afirma que é “usual a classificação da polícia em dois grandes ramos: polícia administrativa e polícia judiciária, […]. Essa classificação foi adotada pela Constituição Federal de 1988, […].” (MORAES, 2004, p. 1681). Ensina Di Pietro que “O poder de polícia que o Estado exerce pode incidir em duas áreas de atuação estatal: na administrativa e na judiciária.” (DI PIETRO, 2010, p. 118).

De maneira bastante objetiva podemos afirmar, fundado na doutrina, que a distinção entre polícia judiciária e polícia administrativa ocorre basicamente por três motivos: a) A polícia administrativa tem caráter preventivo, tem como objetivo evitar que o ilícito ocorra; A polícia judiciária tem caráter repressivo, visa à responsabilização do autor do ilícito penal;    b) A polícia administrativa tem como objeto a propriedade e a liberdade enquanto que a polícia judiciária tem como objeto a pessoa; c) A polícia administrativa rege-se por normas administrativas, sem necessidade de interferência do Poder Judiciário; A polícia judiciária, rege-se por normas processuais penais e visa auxiliar o Poder Judiciário a promover a repressão.

Nesse sentido, leciona Gasparini que “A polícia administrativa predispõe-se a impedir ou paralisar atividades anti-sociais; a polícia judiciária preordena-se a descobrir e conduzir ao judiciário os infratores da ordem jurídica penal.” (GASPARINI, 2009, p. 131). Lazzarini ensina que “A polícia administrativa é, também conhecida como polícia preventiva. A polícia judiciária, por sua vez, como polícia repressiva, porque, atua após o ilícito penal.” (LAZZARINI, 1999, p. 203).

Necessário observar que a polícia administrativa é um ato de polícia que limita a liberdade e a propriedade condicionando-as ao interesse público e que, uma das características da polícia administrativa é ser preventiva, antecipar-se ao fato ilícito.

Em razão da  importância do tema, vejamos o entendimento dos autores:

 

A polícia administrativa tem por objetivo impedir as infrações das leis antes que as infrações se concretizem. Incumbe-lhe a vigilância, a proteção da sociedade, a manutenção da ordem e tranquilidades públicas, assegurando os direitos individuais e auxiliando a execução dos atos e decisões da Justiça e da Administração.   (LAZZARINI, 1999, p. 191).

 

Cretella Junior ensina que:

 

 A polícia administrativa tem por finalidade impedir as infrações das leis (sendo nesta parte preventiva) e assegurar a ordem pública em cada lugar, bem como em toda parte do reino; assegurar a ordem e segurança públicas, a proteção dos direitos concernentes à liberdade, à vida e à propriedade, e, bem assim, a prevenção dos delitos, por meio de ordens e determinações dirigidas a tal fim. (CRETELLA JUNIOR, 2000, p. 534).

 

Entendem os doutrinadores que o poder de polícia administrativa possui atributos específicos ao seu exercício, que são a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.

A discricionariedade é a liberdade que dispõe a Administração, fundado nos critérios de oportunidade e conveniência, de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios para atingir o fim almejado, o interesse público. “A discricionariedade é o uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas, sendo que esse atributo, ainda, diz respeito à gradação das sanções administrativas aplicáveis aos infratores.” (LAZZARINI, 1999, p. 196).

Auto-executoriedade é a possibilidade que dispõe a Administração Pública para decidir e executar diretamente sua decisão por seus próprios meios, sem a necessidade de autorização do Judiciário. Mello ensina que:

 

As medidas de polícia administrativa frequentemente são autoexecutórias: isto é, pode a Administração Pública promover, por si mesma, independentemente de remeter-se ao Poder Judiciário, a conformação do comportamento do particular às injunções dela emanadas, […]. (MELLO, 2010, p. 841).

 

A coercibilidade é a possibilidade de imposição coativa das medidas adotadas pela Administração. Ensina Lazzarini que, “Todo ato de polícia é imperativo, isto é, obrigatório para o seu destinatário. Quando este opõe resistência, admite-se, até mesmo, o emprego de força pública para o seu cumprimento.” (LAZZARINI, 1999, p. 197).

Considerado conforme entendimento da doutrina que o poder de polícia está subdividido em polícia administrativa e polícia judiciária, importante investigar qual o entendimento acerca da polícia ostensiva.

 

2.1.2 Polícia Ostensiva

 

Apesar da CRFB/88 contar com mais de vinte anos de sua publicação, os termos polícia ostensiva e preservação da ordem pública ainda não são devidamente conhecidos por grande parte dos doutrinadores que acabam tendo dificuldade em entender e apresentar com clareza o significado desses termos.

Tasca afirma que “Como o entendimento predominante em relação à polícia ostensiva tem sido limitado, na preservação da ordem pública tem ocorrido o mesmo.” (TASCA, 2012, p. 87).

O adequado entendimento dos termos “Polícia Ostensiva” e ainda “Preservação da ordem pública” tem relevância fundamental visto que vai importar efeitos para a ordem e segurança pública. Tem relevância ainda em razão de serem as missões primordiais destinadas constitucionalmente às Polícias Militares. Para que a Polícia Militar possa desempenhar suas atividades com a eficácia desejada é necessário primeiramente entender efetivamente o significado da missão a ela constitucionalmente delegada.

Especificamente em relação à polícia ostensiva, existe um silêncio da maior parte dos doutrinadores acerca deste tema apesar da sua relevância. Esse silêncio decorre do fato da polícia ostensiva ser um tema novo na nomenclatura da CRFB/88. No entanto, podemos encontrar alguns doutrinadores que se manifestam a esse respeito.

Conforme o entendimento de Moreira Neto, a expressão polícia ostensiva é nova e foi adotada para estabelecer a exclusividade constitucional e ainda para expandir a competência policial dos policiais militares para além do policiamento ostensivo que é apenas uma fase da atividade de polícia. A expressão utilizada no texto constitucional, polícia ostensiva, expande a atuação das Polícias Militares à integralidade das fases do exercício do poder de polícia.

 

A polícia ostensiva, afirmei, é uma expressão nova, não só no texto constitucional, como na nomenclatura da especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro, já aludido, de estabelecer a exclusividade constitucional e, o segundo, para marcar a expansão da competência policial dos policiais militares, além do “policiamento” ostensivo. Para bem entender esse segundo aspecto, é mister ter presente que o policiamento é apenas uma fase da atividade de polícia. A atuação do Estado, no exercício de seu poder de polícia, se desenvolve em quatro fases: a ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia. […] o policiamento corresponde apenas à atividade de fiscalização; por esse motivo, a expressão utilizada, polícia ostensiva, expande a atuação das Policias Militares à integralidade das fases do exercício do poder de polícia. (MOREIRA NETO, apud LAZZARINI, 1999, p. 103 – 104).

 

No mesmo sentido, foi o entendimento da Advocacia Geral da União exposto no Parecer GM 25/2001 (BRASIL 2001), aprovado pelo Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União em 13/08/2001,  vinculando os órgãos e entidades da Administração Pública Federal.

Lazzarini ensina que “Sendo a polícia ostensiva eminentemente preventiva, é portanto administrativa, desempenhando também funções repressivas, ou de polícia judiciária, limitada à repressão imediata, […].” (LAZZARINI, 1999, p. 103).

De forma semelhante é o entendimento de Moreira Neto ao afirmar que:

 

No desempenho da polícia ostensiva, expressão que engloba o ciclo completo de polícia administrativa – ordem, consentimento, fiscalização e sanção – as Polícias Militares atuam como força de dissuasão (ações preventivas), mas diante da ruptura da ordem pública, atuam como força de choque, precedendo o emprego eventual das Forças Armadas (ações repressivas) e, […]. (MOREIRA NETO, 2009, p. 466).

Diante do exposto, podemos então entender a polícia ostensiva como sendo a atividade de polícia executada pelas Polícias Militares que engloba a polícia administrativa desempenhando funções preventivas e ainda, a polícia judiciária desempenhando funções repressivas limitadas à repressão imediata. Portanto, trata-se da atividade de polícia que engloba a polícia administrativa e ainda parcialmente a polícia judiciária.

 

2.2 Da competência do Município na elaboração de normas de ordem pública

 

É de conhecimento notório que o Estado tem competência para elaborar normas visando o bem comum, podendo elaborar normas visando proporcionar a ordem pública.

Com relação à espécie da norma elaborada, ela fica condicionada a competência, a sua finalidade e ainda a política criminal.

Com o intuito de prevenir ações delituosas, o Estado pode elaborar normas penais ou ainda normas administrativas, dependendo do ente público de que provém a norma e ainda da política criminal adotada. Nesse sentido vejamos o ensinamento de Fiorillo que ensina: “[…]: as razões que inclinam o legislador a conduzir a punição de certos ilícitos na esfera do direito administrativo ou  do direito civil, ao invés de puni-lo na órbita do direito penal, são de política criminal.” (BARROS, apud FIORILLO, 2011, p. 144).

Não obstante a isso, a certeza da punição certamente tem um efeito preventivo maior do que a gravidade da punição.

Diante desse contexto, passaremos a analisar a possibilidade do ente público Município elaborar normas administrativas para promoção da ordem pública as quais atuarão de forma preventiva às infrações penais.

A CRFB/88 veio a ratificar o ente público Município como ente da federação com autonomia assegurada. No art. 1º, a CRFB/88 proclama que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. Já no art. 18 que trata da organização do Estado determina que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos nos termos desta Constituição.” (BRASIL, 1988).

Para garantir a autonomia dos Municípios, no art. 34 a CRFB/88 afirma que  a União poderá intervir nos Estados para assegurar a observância do princípio da autonomia municipal. (BRASIL, 1988). Constata-se que o Município é um ente federal com autonomia político-administrativa assegurada pela Constituição sendo reservada ainda a possibilidade da União intervir nos Estados para assegurar a autonomia do Município.

Uma vez consagrada a autonomia dos entes da federação, faz-se necessária a repartição das competências para delinear as matérias pertinentes aos entes federados para o exercício da  atividade normativa.

O princípio adotado para a repartição das competências dos entes que compõem a federação é o princípio da predominância do interesse. Por esse critério, os assuntos e matérias de predominante interesse geral ficam reservados á União, os de predominante interesse regional ficam reservados aos Estados e por fim, aos Municípios ficam reservados os assuntos e matérias de interesse local. A esse respeito, José Afonso da Silva ensina que:

 

O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades do Estado Federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local, […]. (SILVA, 2012, p. 478).

 

Ensinam os autores que no aspecto de repartição de competência o constituinte elencou primeiramente as competências de interesse geral, pertencentes à União, num segundo momento elencou as competências de interesse local, reservadas ao Município, e por último, elencou ao Estado as competências remanescentes do interesse geral e local. Essa é a razão pela qual praticamente inexiste competência delegada ao Estado na Constituição Federal que em seu art. 25 § 1º declara que são reservadas ao Estado as competências que não lhe sejam vedadas pela Constituição. (BRASIL, 1988). Nesse sentido, Silva ensina que:

 

A nossa Constituição adota esse sistema complexo que busca realizar o equilíbrio federativo, por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (art. 25 § 1º) e poderes definidos indicativamente para os Municípios (art. 30), […]. (SILVA, 2012, p. 479).

 

Diante do exposto, constata-se que o Município é um ente da federação que tem autonomia e competência para legislar em assuntos de interesse local, conforme expõe o art. 30 da Constituição Federal.

Conforme os ensinamentos de Silva a autonomia dos Municípios está fundada em quatro capacidades: capacidade de auto-organização, capacidade de autogoverno, capacidade normativa própria e capacidade de autoadministração.

 

Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidade de auto-organização e de autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matérias de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da autoadministração). (SILVA, 2012, p. 641).

 

A autonomia política que importa no poder de auto-organização, expressa no art. 29 da CRFB/88 imputa ao Município competência para elaborar sua própria lei orgânica. “Essa lei orgânica, também denominada Carta própria, equivale à Constituição Municipal.” (MEIRELLES, 2014, p. 85). “Ela é uma espécie de constituição municipal. Cuidará de discriminar a matéria de competência exclusiva do Município, […].” (SILVA, 2012, p. 642).

A autonomia normativa por sua vez importa na capacidade de criar leis na área de sua competência, “[…]; (3) poder normativo próprio, ou de autolegislação, mediante a elaboração de leis municipais na área de sua competência exclusiva e suplementar; […].” (MEIRELLES, 2014, p. 94).

Leciona Michel Temer que “a idéia de autonomia política, tal como colocada, traz em si os pressupostos de autogoverno, auto-administração e auto-organização.” (TEMER, 2007, p. 109).

Considerado o fato de que o Município é um ente federado com autonomia política e com competência para legislar em assuntos de interesse local, faz-se necessário efetuar uma análise da abrangência do termo “interesse local”. Pretende-se investigar em que amplitude a ordem pública está inserida nos assuntos de interesse local.

Percebe-se que existe uma dificuldade dos doutrinadores demonstrarem com razoável clareza qual a abrangência da expressão assuntos de interesse local. Para demonstrar o tamanho da dificuldade, o renomado constitucionalista que fez parte da elaboração da CFRB/88, Michel Temer, não esclarece o sentido da expressão. Vejamos o seu ensinamento acerca do tema.

 

 A identificação desse âmbito material referente ao interesse local é de fundamental importância, pois é a partir dessa descoberta que se define a competência legiferante sobre a matéria.

Tudo quanto dissemos leva à conclusão de que a competência do Município em tema de interesse local será desvendada casuisticamente. (TEMER, 2007, p. 108).

 

Meirelles ensina que:

 

 Interesse local não é interesse exclusivo do Município, não é interesse privativo da localidade; não é interesse único dos Munícipes. Se se exigisse essa exclusividade, essa privatividade, essa unicidade, bem reduzido ficaria o âmbito da administração local, aniquilando-se a autonomia que faz praça a Constituição. Mesmo porque não há interesse municipal que não o seja reflexamente da União e do Estado-Membro, como, também, não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos Municípios, como partes integrantes da Federação Brasileira.

[…].

Concluindo, podemos dizer que tudo quanto repercutir direta e imediatamente na vida municipal é de interesse peculiar do Município, embora possa interessar também, indireta e mediatamente, ao Estado-membro e à União. O provimento de tais negócios cabe exclusivamente ao Município interessado, não sendo lícita a ingerência de Poderes estranhos sem ofensa à autonomia local. Pode e deve o Município repelir tais interferências, partam elas de outro Município, do Estado-membro ou da União, através de qualquer de seus Órgãos ou Poderes. (MEIRELLES, 2014, p. 111-112).

 

Conforme entendimento dos autores acerca do termo “assuntos de interesse local”, verifica-se que não se trata de interesse exclusivo ou privativo do Município visto que se fossem exigidas essas características elas acabariam por aniquilar o princípio da autonomia que foi delegado ao Município.  O termo refere-se a tudo aquilo que vier a repercutir de forma direta e imediata na vida municipal.

Efetuado o esclarecimento acerca do entendimento sobre o tema assuntos de interesse local, efetuaremos uma abordagem acerca do poder de polícia do Município e o entendimento doutrinário acerca da abrangência das limitações administrativas que competem ao Município, relacionadas à ordem pública que entendemos de grande relevância para a presente pesquisa.   

O poder de polícia é a faculdade que dispõe o ente Federado de limitar as liberdades dos indivíduos condicionando-as ao interesse público dentro da competência outorgada pela CRFB/88. É um dos poderes administrativos de que dispõem todos os entes federados, cabendo ao Município a polícia administrativa relacionada aos interesses locais.

Leciona  Gasparini que: “[…],o exercício do poder de polícia compete à entidade a quem a Lei Maior outorga competência para legislar. […] Cabe ao Município o exercício da polícia administrativa em tudo o que for de interesse local, […].” (GASPARINI, 2009, p.129).

Em relação à abrangência do poder de polícia do Município, ensinam os autores que ele comporta tudo aquilo que for de interesse local. “Para propiciar segurança, saúde e bem estar à população local, o Município pode regulamentar e policiar todas as atividades, coisas e locais que afetem a coletividade de seu território.” (MEIRELLES, 2014, p. 503).

Nesse sentido também é o entendimento do STF:

 

AI 482212 AgR / SP – SÃO PAULO 
AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI
Julgamento:  04/06/2013           Órgão Julgador:  Segunda Turma

Publicação

ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-117  DIVULG 18-06-2013  PUBLIC 19-06-2013

[…]

Ementa: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL. INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA. ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS. POSSIBILIDADE. ART. 30, I, DA CF. PRECEDENTES. ART. 5º, XXXVI, DA CF/88. OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. 1. É pacífico na jurisprudência do STF o entendimento de que os entes municipais possuem competência para editar lei determinando a instalação de equipamentos de segurança em estabelecimentos bancários, por ser tal questão matéria de interesse local. Exegese do art. 30, I, da Constituição Federal. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL,  2013).

 

Conforme os ensinamentos de Teza: “[…], é de domínio de todos que os Municípios são os detentores do poder de legislar sobre questões locais, […]. Entre os problemas que estas legislações municipais visam a evitar, encontram-se aqueles ligados à ordem pública, […].” (TEZA, 2011, p. 73).

Essa faculdade que dispõe o Município pode ser um instrumento de prevenção através do qual a Polícia Militar pode atuar para cumprir sua missão constitucional. Importante destacar que o Município tem competência para legislar visando proporcionar segurança mas, não tem competência para atuar, cabendo essa atribuição à Polícia Militar.

Para que se possa ter uma noção da quantidade de possiblidades de atuação preventiva através de limitações administrativas do Município, elencaremos algumas apontadas pela doutrina.

 

Na impossibilidade de apreciarmos todos os setores de atuação do poder de polícia do Município, destacamos os principais, a saber: (1) polícia sanitária; (2) polícia das construções; (3) polícia das águas; (4) polícia da atmosfera; (5) polícia das plantas e animais nocivos; (6) polícia dos logradouros públicos; (7) polícia de costumes; (8) polícia de pesos e medidas; (9) polícia das atividades urbanas em geral. (MEIRELLES, 2014, p. 503).

 

Através das áreas elencadas, existem inúmeras possibilidades de limitações administrativas com a finalidade de proporcionar segurança aos munícipes. A título de exemplo, elencamos a polícia de costumes conforme ensinamentos de Meirelles.

 

A polícia de costumes visa combater os males, vícios e perversões com os quais certos indivíduos atentam contra a moral, a decência, o trabalho e as boas maneiras da sociedade. […].

No elenco dos males sociais danosos e corruptores, que convém ao Poder Público prevenir e debelar, entram a prostituição, as perversões sexuais, a vadiagem, a embriaguez, a mendicância, os jogos de azar, o uso de entorpecentes, a obscenidade pública e outras formas de rebaixamento da dignidade humana.

[…].

Como infrações penais, esses atos antijurídicos ficam sujeitos a repressão por parte da polícia judiciária, mas sua prevenção cabe igualmente à polícia administrativa, através de medidas destinadas a impedir a formação de ambiente para seu cometimento. Com esse objetivo, a Administração Municipal pode proibir, por lei, ou negar alvará para a instalação ou funcionamento de casas de tavolagem, de bares, de cabarés, de boates, de estabelecimentos de jogos e outros mais que favoreçam a ociosidade e os vícios de toda ordem, ou, mesmo, determinar seu fechamento, se se revelarem atentatórios dos bons costumes ou prejudiciais à vizinhança. (grifo nosso) (MEIRELLES, 2014, p. 521-524).

 

Ensina Moreira Neto que a competência para legislar e executar a polícia de costumes se estende por todos os entes federativos mas, “ […]  cabe, notadamente, à autoridade municipal a responsabilidade de mantê-la, dada a predominância de sua atuação local.” (MOREIRA NETO, 2009, p. 450).

Para exemplificar podemos citar a possibilidade do Município através de uma determinação legal impor aos estabelecimentos bancários a obrigação de impedir que os clientes que estejam aguardando para ser atendidos vejam o cliente que está sendo atendido. Essa obrigação por certo reduziria bastante os roubos ao sair do banco. No mesmo sentido, a obrigação de instalação de dispositivos detectores de metal em casas lotéricas reduziria em muito os roubos nesses estabelecimentos. A limitação do uso de copos e garrafas de vidro em alguns ambientes como bares e similares com grande concentração de pessoas ajudaria a prevenir lesões e óbitos. Dessa forma, poderia ser enfrentado o problema do consumo de bebidas alcoólicas em via pública, da perturbação  do sossego. Também poderia ser enfrentado o problema da prostituição em vias públicas, enfim, são inúmeras as possibilidades.

Recentemente, o Município de Blumenau/SC dentro dessa perspectiva de prevenir, editou a Lei Complementar nº 947/2014, que dispõe sobre o programa de silêncio urbano, para enfrentar o problema da perturbação do sossego em parceria com a Polícia Militar fato esse, que demonstra a viabilidade desse instrumento. (BLUMENAU, 2014).

Com relação aos meios de atuação do poder de polícia, as limitações podem ser em decorrência de atos normativos ou de atos administrativos. Ensina Meirelles: “[…], ela age através de ordens e proibições mas, e sobretudo, por meio de normas limitadoras e condicionadoras da conduta daqueles que utilizam bens ou exercem atividades que possam afetar a coletividade, […].” (MEIRELLES, 2014, p. 498).

Di Pietro leciona que:

 

[…], os meios de que se utiliza o Estado para o seu exercício são:

1. atos normativos em geral, a saber: pela lei, criam-se as limitações administrativas ao exercício dos direitos  e das atividades individuais, […];

2. atos administrativos e operações materiais de aplicação ao caso concreto, compreendendo medidas preventivas […], e medidas repressivas […]. (DI PIETRO, 2010, p. 119).

 

Importante ressaltar que as limitações administrativas do Município derivam de diversas espécies de normas. Dentre elas podemos citar a Lei Orgânica, o Plano Diretor, Legislação de Trânsito, Legislação Sanitária, Legislação Ambiental, Código de Obras e Edificações, o Código de Posturas ou ainda, uma lei específica.

O Código de Postura é o exemplo mais presente do exercício do poder de polícia do Município, regulando inúmeras atividades dos munícipes. Essas normas são um instrumento para atuar de forma preventiva visando a preservação da ordem pública. Para ilustrar citamos o Código de Postura do Município de Anápolis/GO, Lei Complementar nº 279 de 11 de julho de 2012. (ANÁPOLIS, 2012). Citamos este código por ser bem recente e atual.

 

2.3 Da competência para atuação da polícia preventiva do Município

 

Considerado fato de que o Município tem competência para elaborar normas que limitem as liberdades dos munícipes para condicioná-las ao interesse público, limitados aos assuntos de interesse local, considerado ainda que a ordem pública está contida nos assuntos de interesse local, passaremos a efetuar uma análise de quem possui competência para atuação da polícia administrativa do Município.

Conforme estudado, o  poder de polícia é um dos poderes administrativos de que dispõem os entes federados em todas as esferas. O ato de polícia administrativa é a exteriorização do poder de polícia da Administração Pública.

O ato de polícia  precisa observar os requisitos do ato administrativo. “Em outras palavras, como qualquer outro ato administrativo, o de polícia deve conter os requisitos da competência, finalidade, forma, motivo e objeto.” (LAZZARINI, 1999, p. 205). Para ser válido o ato de polícia precisa partir de órgão competente e ser executado por alguém que tenha competência.

Competência é o poder de que é investido legalmente um agente da administração para o desempenho das suas funções. Conforme os ensinamentos de Meirelles “Entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da administração para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada.” (MEIRELLES, 2013, p. 161).

“Em regra, o exercício da atribuição de polícia compete à entidade a quem a Lei Maior outorga a competência para legislar.” (GASPARINI, 2009, p. 129). Desta forma, a regra geral determina que o exercício do poder de polícia cabe ao ente que tem competência legislativa.

A competência por sua vez, possui algumas características que são apontadas pelos doutrinadores vejamos: É sempre decorrente da lei; É de exercício obrigatório; É irrenunciável; É imprescritível; É imodificável pela vontade do próprio titular e, É intransferível sendo permitida a delegação e a avocação nos casos previstos em lei.

Ensina Di Pietro que para a competência aplicam-se as seguintes regras:

 

1. decorre sempre de lei, não podendo o próprio órgão estabelecer, por si, as suas atribuições;

2. é inderrogável, seja pela vontade da administração, seja por acordo com terceiros; isto porque a competência é conferida em benefício do interesse público;

3. pode ser objeto de delegação ou de avocação, desde que não se trate de competência conferida a determinado órgão ou agente, com exclusividade, pela lei. (DI PIETRO, 2010, p. 204).

 

Especificamente em relação à possibilidade de delegação da competência, “[…], admite-se a delegação desde que outorgada a uma pessoa pública administrativa, como é a autarquia, ou a uma pessoa governamental, […].” (GASPARINI, 2009, p. 135).

As possibilidades de delegação e avocação da competência notadamente contam com amparo legal previsto na Lei nº 9.784/99 em seu artigo 11. “Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos.” (BRASIL, 1999).

“Mas a outorga de competência expressa a determinado agente importa deferimento implícito, a esse mesmo agente, dos meios necessários à integral realização dos fins previstos pela norma.” (MEIRELLES, 2013, p. 161).

Efetuadas essas considerações acerca da competência para o exercício do ato administrativo, importante ressaltar que se aplica o mesmo entendimento para o exercício do ato de polícia que é o exercício do poder de polícia.

Em relação ao poder de polícia do Município, constata-se que este tem competência para estabelecer limitações administrativas aos munícipes, visando à ordem pública. Percebe-se também que não lhe é dado o direito de constituir um órgão de polícia para o exercício efetivo do ato de polícia que importe em segurança pública. Nesse sentido, é o entendimento de Silva que assim leciona:

 

Os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma forma de polícia municipal. Com isso, os Municípios não ficaram com nenhuma específica responsabilidade pela segurança pública. Ficaram com a responsabilidade por ela na medida em que sendo entidade estatal não podem eximir-se de ajudar os Estados no cumprimento dessa função. (SILVA, 2012, p. 783-784).

 

Ao manifestar-se sobre os órgãos policiais na CRFB/88 ensina Lazzarini: “[…], que a previsão constitucional é taxativa, não podendo, portanto, serem criados outros órgãos policiais com incumbência de exercer atividades de segurança pública, em quaisquer dos níveis estatais, […].” (LAZZARINI, 2003, p. 90). Da mesma forma entende o STF, vejamos:

 

ADI 3469 / SC – SANTA CATARINA 
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a):  Min. GILMAR MENDES
Julgamento:  16/09/2010           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

[…]
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional nº 39, de 31 de janeiro de 2005, à Constituição do Estado de Santa Catarina. 3. Criação do Instituto Geral de Perícia e inserção do órgão no rol daqueles encarregados da segurança pública. 4. Legitimidade ativa da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL-BRASIL). Precedentes. 5. Observância obrigatória, pelos Estados-membros, do disposto no art. 144 da Constituição da República. Precedentes. 6. Taxatividade do rol dos órgãos encarregados da segurança pública, contidos no art. 144 da Constituição da República. Precedentes. 7. Impossibilidade da criação, pelos Estados-membros, de órgão de segurança pública diverso daqueles previstos no art. 144 da Constituição. Precedentes. 8. Ao Instituto Geral de Perícia, instituído pela norma impugnada, são incumbidas funções atinentes à segurança pública. 9. Violação do artigo 144 c/c o art. 25 da Constituição da República. 10. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente procedente. (BRASIL,  2010).

 

Importante lembrar que as Guardas Municipais são órgãos municipais, mas, têm sua função bem específica e estão impedidas constitucionalmente de atuar como órgão de segurança pública. A esse respeito, Diógenes Gasparini ao descrever sobre as alterações constitucionais sugeridas na revisão constitucional, ensina que: “A outra modificação consistiria em transferir o § 8º do artigo 144, para o artigo 30 na forma de inciso, já que, as guardas municipais não constam do rol de órgãos responsáveis pela segurança pública, e nela não têm missão, conforme exaustivamente explicado.” (GASPARINI, 1993, p. 66). Nesse sentido, alguns Estados, como é o caso de São Paulo e de Santa Catarina, por exemplo, têm citado a possibilidade da criação de Guardas Municipais no capítulo relativo às competências municipais e não no capítulo relacionado à segurança pública.

Lazzarini afirma ainda que houve uma distribuição correta das atribuições do poder de polícia pela Constituição. “A Constituição de 1988, devemos entender, tratou de distribuir corretamente as atribuições decorrentes do poder de polícia.” (LAZZARINI, 2003, p. 91). 

Considerada a impossibilidade do Município constituir um órgão de segurança pública e ainda  a possibilidade de delegação de competência para o exercício do ato de polícia administrativa do Município a um órgão policial, importante ressaltar que o órgão de polícia com competência para o exercício da polícia administrativa conforme determinação constitucional é a Polícia Militar. A esse respeito, ensina Lazzarini:

 

Lembremo-nos, a propósito, que segurança pública é conceito, como universalmente aceito, mais restrito do que a ordem pública, esta a ser preservada pelas Polícias Militares (art. 144, § 5º), às quais se atribuiu, além das atividades de polícia de segurança (ostensiva), as também referentes à tranquilidade pública e à salubridade pública. (LAZZARINI, 1999, p. 57).

 

No que toca à polícia preventiva – ostensiva – a situação é diferente, pois sua forma de atuação permite a exclusividade. Sua formação, distribuição geográfica e as características de ostensividade das funções que desempenha viabilizam e aconselham a exclusividade ou a unicidade do órgão à qual compete. (LAZZARINI, 1999, p. 101).

 

Consideradas todas as observações até aqui apontadas, percebe-se que os órgãos que o Estado dispõe para proporcionar segurança pública aos cidadãos são aqueles elencados no art. 144 da CRFB/88 sendo que, a própria CRFB/88 tratou de delimitar as respectivas competências de cada órgão. Neste contexto, a CRFB/88 delegou à Polícia Militar a competência para a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. (BRASIL, 1988). A polícia ostensiva compreende a polícia administrativa e ainda os atos de polícia judiciária, limitados, a repressão imediata.

O Município é um ente federado que dispõe do poder de polícia e tem a faculdade de elaborar normas para limitar as condutas das pessoas condicionando-as aos interesses da sociedade. Pode elaborar normas com o objetivo de prevenir ou inibir as condutas sociais que geram prejuízo a sociedade. Essas normas têm o objetivo de proporcionar tranquilidade e segurança preservando a ordem pública no meio social. Como não lhe é dado um órgão para o exercício desse ato de polícia, pode delegar essa competência à Polícia Militar.

Essa interação entre a Polícia Militar e o Município buscando proporcionar a ordem pública interessa a todos, ao Município, a Polícia Militar e a Sociedade.

Sobre a importância dessa atuação conjunta do Município e da Polícia Militar, vejamos os ensinamentos de Teza: “[…], há que se indagar qual ou quais as razões que levam as polícias militares a ficarem totalmente alheias ao processo participativo junto às administrações dos Municípios, não opinando e nem assessorando-as tecnicamente, […].” (TEZA, 2011, p. 74). “Eu não tenho a menor dúvida de que a Polícia Militar tem que estar engajada com a cidade na resolução dos seus problemas.” (LAZZARINI apud TEZA, 2011, p. 78). Neste sentido são os ensinamentos de João Carlos Sproesser Mathias que assim relata:

 

Os municípios, cientes dessa situação, quando não veem na Polícia Militar uma parceira adequada, passam a buscar meios alternativos de se inteirar dos problemas e de interagir com os aspectos específicos de segurança pública; […].

Depreende-se, assim, que a Polícia Militar e o município podem e precisam ser importantes aliados, porém caso a organização policial se mostre distante ou refratária a essa necessidade, o município encontrará ou construirá novos caminhos; no momento atual os caminhos mais comuns  pelos quais têm trilhado os municípios são as guardas municipais; […]. (MATHIAS, 2010, p. 31).

 

Importante ter sempre presente o entendimento de que a missão primordial da Polícia Militar é a prevenção, é evitar que o fato ocorra procurando de alguma maneira se antecipar ao ilícito. Para a concretização desse mister, a Polícia Militar e a sociedade como um todo devem se valer dos meios que se apresentarem eficazes.

Dentre os meios que se apresentam capazes de contribuir com a promoção da ordem pública, entendemos que o ente público “Município” tem uma função preponderante em razão de ser o ente público mais próximo das pessoas e por esse motivo consegue ter uma percepção mais nítida dos conflitos sociais. Normalmente, o Município está diretamente envolvido com as políticas de promoção da ordem pública, que promovem a redução da criminalidade.

Dentre as inúmeras ações que o Município pode executar visando a redução da violência e da desordem apontamos a possibilidade do Município elaborar normas administrativas que tenham o objetivo de promover a ordem pública as  quais efetivadas pela Polícia Militar terão efeito preventivo à criminalidade.

Em razão do exposto, entendemos ser de grande relevância a atuação sinérgica do Município e da Polícia Militar na prevenção de condutas ilícitas e na preservação da ordem.

 

3 CONCLUSÃO

 

A presente pesquisa teve o propósito de efetuar uma análise acerca da possibilidade da prevenção de algumas condutas que configuram infração penal através da elaboração e do cumprimento de normas administrativas elaboradas pelo Município. Especificamente, visou analisar a ação preventiva da Polícia Militar mediante normas elaboradas pelo Município e as implicações na preservação da ordem pública.

Para o desenvolvimento da pesquisa efetuou-se uma busca atualizada do entendimento acerca da abrangência do termo polícia ostensiva, da abrangência da polícia preventiva do Município e a atuação preventiva da Polícia Militar no Município.

Ao findar a pesquisa, podemos afirmar que polícia ostensiva é a atividade executada exclusivamente pelas Polícias Militares que engloba a polícia administrativa, desempenhando funções preventivas, e que engloba ainda, parcialmente a polícia judiciária, desempenhando funções repressivas limitadas à repressão imediata.

Torna-se visível que o Município é um ente da federação que tem autonomia e competência para legislar em assuntos de interesse local. Da mesma forma, fica demonstrado que a ordem pública é matéria de interesse local e assim sendo, dentre os inúmeros objetivos que as normas do Município visam alcançar encontram-se aqueles ligados à ordem pública. Esse poder que dispõe o Município é um meio eficaz por meio do qual a Polícia Militar pode atuar preventivamente cumprindo com sua atribuição constitucional.

Percebe-se que os órgãos que o Estado dispõe para proporcionar segurança pública aos cidadãos são aqueles elencados taxativamente no art. 144 da CRFB/88. Constata-se que não é dado ao Município o direito de constituir um órgão de polícia para o exercício efetivo do ato de polícia que importe em segurança pública mas, lhe é dado o direito de delegar essa atribuição à Polícia Militar.

Por fim, sugerimos a aproximação da Polícia Militar ao Município por entender ser de grande relevância a atuação sinérgica do Município e da Polícia Militar para a preservação da ordem pública. Entendemos que dessa aproximação resultarão benefícios ligados à preservação da ordem pública para toda a sociedade. Por esse motivo entendemos que a Polícia Militar deveria de forma institucional incentivar e promover essa aproximação como uma estratégia para o cumprimento da sua atribuição constitucional.

 

REFERÊNCIAS

 

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[1] Bacharelando em Ciências Policiais do (CFO)  Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Santa Catarina,  graduado em Direito pela Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI;  pós-graduado em Gestão em Segurança Pública e Administração Pública pela Faculdade Dom Bosco.

[2] Coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar de Santa Catarina, graduado em Estudos Sociais pela Universidade do Vale do Itajaí e pós-graduado em Gestão em Segurança Pública pela Universidade Luterana do Brasil. Atualmente, é conselheiro titular do Conselho Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça – CONASP, presidente da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares – FENEME e membro da Academia de Letras dos Militares Estaduais.