PUBLICAÇÃO NA REVISTA DA ASSOCIAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO DESAGRAVO AO SARGENTO ORTEGA

Artigos

Publicado na Revista da AOPM de outubro/novembro de 2015

Editorial

A Presidência da AOPM cede espaço e abre o seu Editorial para matéria elaborada com extrema lucidez e importância, ao seu Assessor Institucional, Cel PM Flammarion Ruiz.

Importante e justo considerar o texto como inteligente, oportuno e necessário. O artigo merece destaque e ocupar o Editorial é o mínimo de reconhecimento que a AOPM tem ao seu autor. Quem convive com o Cel Flammarion, reconhece-o como incansável batalhador na defesa de nossa Polícia Militar e como profissional altamente preparado intelectualmente e, portanto, qualificado para opinar.

Desagravo ao Sargento Otaga

De longa data nos preocupamos, enquanto instituição do Estado, com as funções de polícia e de sua mais que obrigatória fidelidade ao princípio da legalidade, pois quem tem como razão existencial promover a obediência à lei e preservar a Ordem Pública, não seria coerente ao agir de modo contrário a ela. Nisto se fundam a sua ética militar e o pundonor de sua hierarquia e disciplina, arrimadas na satisfação do bem comum.

Tal como um mantra, pregamos desde nossos primeiros momentos no início de nossas carreiras na Polícia Militar, ainda em seus bancos escolares, a obediência em primeiro, para depois, compreendidos todos os prolegômenos das ciências de nossos currículos, empreender nossas missões, que se resumem em resguardar quando ameaçados, de quaisquer obstáculos, a consecução maior do interesse social, que é a realização plena dos direitos de todos seres humanos, a despeito da existência de qualquer violência ou força contrária.

A nossa obstinada missão obriga prepararmo-nos e tudo fazer para responder prontamente a qualquer indivíduo que tenha seus direitos ameaçados, na consciência de que segundos podem significar perda de vida, pelo que nos expomos de maneira sem igual, aos mais severos riscos para preservar e garantir a qualquer um os direitos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, tanto falados e prometidos por tantos, mas que sob os auspícios da autoridade de um simples policial militar, que age em nome deste mesmo Estado, se consubstancia.

Nos últimos tempos nos vemos em luta inglória, pois em nosso país os índices criminais chegaram a níveis epidêmicos. Só em homicídios, em 2014, atingimos o número de 58.559 eventos. O que nos coloca em 1º lugar no mundo em tal estatística. São mortas por ano no Brasil mais pessoas que nos 15 anos de guerra do Vietnã.

Por que se mata tanto no Brasil? Por que tamanha quantidade de crimes? São unânimes os estudiosos em apontar que não estamos punindo adequadamente aqueles que cometem crimes e damos oportunidade, com este desinteresse sistemático de punir, que os criminosos se organizem e refinem suas especialidades criminosas e a contumácia se acentue cada vez mais, em prejuízo da absoluta maioria de pessoas de bem deste país.

Nós Policiais Militares, talvez como nenhum outro segmento do Estado ou do Sistema de Persecução Penal, temos consciência da situação aterradora porque passam todos os honestos cidadãos deste Brasil, assim como também sabemos do princípio da igualdade jurídica que, de forma alguma, não admitimos seja uma quimera e tudo fazemos para garantir a todas as pessoas, tal como impõe a nossa lei maior, a Constituição da República Federativa do Brasil, a igualdade de direitos e deveres. Aprimoramo-nos em comunicações, em tecnologia da informação e em processos administrativos funcionais para atender a todos sem qualquer distinção, como se sabe.

Por outro lado, se alguns não se aplicam com este nível de comprometimento e responsabilidade, e se quedam em se transformar em meros guichês de reclamações públicas, ao gozo do ar condicionado e escondidos dos seus deveres funcionais, não é nosso problema, no entanto, que se deixe devidamente anotado que fazemos nossa parte e se ela não produz no ambiente da sociedade o resultado esperado da persecução criminal, que todo país precisa, ou seja, a prisão dos indivíduos que representam comprovadamente ameaça a todos os outros cidadãos, que se acionem os omissos e acomodados.

No caso do Sargento Charles Otaga, vemos uma sequência de fatos que envergonham qualquer um que tenha o mínimo discernimento e que demonstram a que estamos submetidos.

Cometeu o referido Sargento a prisão em flagrante delito de indivíduo que havia roubado e fugido em seguida. Logrou êxito o atento Policial, porque trabalha há longa data no bairro e conhece suas ruas, perseguir e deter o infrator, tal como dele esperava a sociedade. Acercou-se de colher os demais dados de interesse para condução da prisão em flagrante e se dirigiu ao 103º Distrito Policial de Vila Jacuí, para a confecção do auto de prisão em flagrante, obrigação da Polícia Civil.

Em lá chegando, o Delegado de Plantão entendeu ter havido tortura por parte do Sargento para que o acusado confessasse o crime cometido, apesar do Sargento Otaga ter conduzido ao distrito vítima e testemunhas. O delegado acusou ainda mais, que o Policial teria ficado com o detido por mais de 4 horas e ainda ter aplicado choques elétricos no órgão genital do ladrão.

Não obstante a presença do Tenente Coronel Hernandez, Comandante do 29º Batalhão, oferecendo a cópia do mapa de GPS da Viatura do Sargento, onde horários e locais estão plotados, o delegado não aceitou por ter convicção, pelas palavras do marginal preso, que havia crime de tortura e confeccionou o auto de prisão em flagrante do Policial, Sargento Otaga, que foi encaminhado ao Presídio Militar Romão Gomes, só conseguindo se livrar solto em sede de Habeas Corpus ao Tribunal de Justiça, às 19:00 horas de 23 de outubro, sexta feira, quatro dias após sua prisão.

A situação em si até não teria tanta relevância, embora a presença de dois deputados estaduais no Distrito, cada qual defendendo o seu lado, se não houvesse significativos antecedentes.

Ocorre que no dia 9 de outubro, tivemos em São Paulo a presença de deputados federais da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados para promover uma audiência pública, com o nome de “POR UMA NOVA ARQUITETURA INSTITUCIONAL DA SEGURANÇA PÚBLICA: PELA ADOÇÃO NO BRASIL DO CICLO COMPLETO DE POLÍCIA”, já ocorrida em outras cinco capitais, para discutir a adoção do Ciclo Completo de Polícia no país, tal como sucede em todo mundo, menos no Brasil, Cabo verde e Guiné Bissau, com o que concordam todos os componentes da Persecução Criminal do Brasil, menos as Polícias Civis e os delegados da Polícia Federal, porque atinge interesses. Esta discordância animou de tal modo as Polícias Civis, no que se deparou com várias ameaças de prejudicarem situações de ação dos policiais militares no atendimento do serviço de rua, que se entregam nos Distritos e Delegacias Policiais.

O delegado de plantão no 103º Distrito tinha até uma página no Facebook, onde imprimia seu descontentamento com o andar, no plano nacional, da situação do Ciclo Completo de Polícia. Destaque-se que o assunto sempre foi tratado por ele como se o Ciclo fosse só do interesse da Polícia Militar e não responde em nenhum momento às críticas construtivas das discussões no plano nacional. Embora tenha mantido esta página com tanto rancor à PM pela adesão desta ao Ciclo, ainda na madrugada, depois da autuação do Sargento Otaga, retirou sua página do Facebook do ar, mostrando desta forma sua parcialidade e intenção ao confeccionar o auto de prisão do Policial Militar.

A repercussão do evento no Distrito foi muito grande e para lá se deslocaram as mídias televisivas para acompanhar o desenrolar das providências. Depois de todas estas questões, a mídia tomou partido contra o Sargento, então ainda preso. Descobriram pelo site do Tribunal de Justiça, que o Sargento participou de dois eventos que redundaram em morte de indivíduos, em situação de troca de tiros. O primeiro foi em 2005 e se encontra arquivado pela 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital; o outro, mais recente e da 4ª Vara do Tribunal do Júri, está em andamento e é referente a homicídio resultante de troca de tiros, onde os marginais se valiam do uso de armamentos muito mais pesados que as armas de porte pessoal dos policiais, mas, isto não tem relevância para a mídia e coragem não tem significado, mesmo nas condições de sobrevivência própria ou de outrem.

O que se questiona como argumento irrefutável para adoção do Ciclo Completo é o fato da Polícia Militar entregar para a Polícia Civil, na cidade de São Paulo, em 2014 o que segue:

Crimes encaminhados pela PM

656.978 (100,00%)

Inquéritos Policiais instaurados pela PC

108.723 (16,55%)

Inquéritos recebidos pelo DIPO

67.872 (10,33%)

Ou seja, 89,67% dos crimes da Capital não são apurados e seus autores sequer são do conhecimento da Polícia Preventiva ou dos outros segmentos da Persecução Penal, muito embora esta seja uma determinação do Código de Processo Penal, desde 1941.

Quando são apresentadas as mazelas da polícia investigativa, eles reagem contra a pessoa do Policial. É a figura clássica da falácia do tipo “argumentum ad hominem”, ou seja, se não tiver como rebater o argumento apresentado, que se ataque a pessoa do oponente, ou argumente-se contra o indivíduo. O que é grave e inaceitável é que a discussão da adoção ou não do Ciclo Completo se processa no nível do Congresso Nacional, portanto, o Sargento não seria a pessoa, nem o distrito seria o local, para melhor se perorarem os contrários e os a favor de tal tema.

Dados os antecedentes de 20 anos de bons serviços prestados à sociedade e a dedicação de alguém que não está acostumado a fugir das ameaças enfrentadas pelo policial de rua, o que fica claro é que o delegado de plantão deixou de cumprir sua obrigação, para prejudicar quem, também autoridade policial, cumpria o arriscado trabalho de deter e conduzir um criminoso costumeiro, pelo simples e mesquinho fundamento de que aquele policial fardado estava representando naquele momento, uma posição contrária aos seus interesses e opinião pessoal.

Cel PM Flammarion Ruiz

Assessor Institucional