O ENSINO POLICIAL MILITAR NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO

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O ENSINO POLICIAL MILITAR NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO

 

 

Marcello Martinez Hipólito

Major da Polícia Militar de Santa Catarina

 

 

 

O pouco interesse sobre a polícia nos meios acadêmicos é, de fato, curioso.[1]

 

 

1. Introdução

Neste paper tem-se por objetivo o ensino militar previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação[2], Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, seu artigo 83, e a particularidade pelo qual deve permear as instituições militares, inclusive as policiais militares, em suas atividades de educação, tendo em vista suas atribuições, características e responsabilidades singulares numa sociedade democrática. [3]

 

2. Desenvolvimento

 

A partir da Emenda Constitucional nº 18, de 05 de fevereiro de 1998, os militares, antes espécie do gênero servidor público, destacaram-se deste e passaram a constituir segmento próprio denominado simplesmente “militar”.

 Referido destaque não implicou em desconsiderar os militares como agentes públicos em sentido amplo, definido “como todas as pessoas físicas que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam serviços à Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua responsabilidade”[4].

Na verdade a EC 18/98 deixou evidente algo que já era implícito anteriormente, qual seja, os militares federais, estaduais e distritais constituem espécie de agente público com regime jurídico próprio, qual seja,  “sistema ou modo de regular, porque as coisas, instituições ou pessoas se devam conduzir conforme o direito próprio.”[5]  Passou-se a prever um regime jurídico peculiar para os militares, inclusive sobre remuneração, prerrogativas e outras situações especiais, “consideradas as peculiaridades de suas atividades”.[6]

GASPARINI segue a mesma orientação no sentido de que a organização militar se difere em muito da organização do servidor civil na sistematização constitucional atual.[7]

Ocorre que essa distinção, tão claramente disposta pelo legislador, não encontra muitas vezes eco nos tribunais ou mesmo nos legisladores estaduais.

No Brasil, porém, o tema Administração Militar não tem merecido o necessário exame e divulgação por parte dos operadores do Direito, dificultando, assim, até mesmo uma verdadeira comunhão entre civis e militares, afastando uns dos outros por questões, muitas vezes preconceituosas e ideológicas.[8]

Essa desídia pelo Direito aplicável aos militares tem levado, em especial as instituições militares, a uma situação de anomia[9] a ensejar uma perturbação nos preceitos fundamentais dessas instituições, que são a hierarquia e disciplina, bem como ao pleno funcionamento destas diante das suas peculiaridades em face de suas atribuições constitucionais. 

Por tal é que a educação militar deve ser tratada de uma forma diferenciada da educação civil, tal como prescreve o artigo 83 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. A mesma diferenciação já ocorre nas academias militares nos Estados Unidos, que quando foram estudadas por sociólogos conduziram estes ao ponto comum de considerar sua educação sujeita “à intensidade do processo de socialização profissional militar, combinada ao fato de que esse processo ocorre em relativo isolamento ou autonomia.” [10]

O mesmo autor considera que o militar comparado a outras profissões representa um caso limite sociológico que contribui para uma grande coesão ou homogeneidade interna, “mesmo que ao preço de um distanciamento entre militares e civis.”[11]

Há na educação militar, por isso, uma mudança de mundo, uma socialização secundária, “‘uma intensa concentração de toda interação significante dentro do grupo’.”[12]

Esta lógica da educação diferenciada enunciada na LDB também deve ser aplicada às Polícias Militares, pois que o Brasil, acertadamente, seguiu o viés da militarização de sua polícia ostensiva, exigindo, assim, a manutenção de um sistema de educação peculiar.

Concebidas pela Constituição Federal de 1988 com a atribuição de Polícia Ostensiva e de Preservação da Ordem Pública, as Polícias Militares têm um papel fundamental na estabilidade das instituições democráticas e da própria ordem social.

A unidade dos integrantes das instituições militares estaduais é elemento fundamental, pois elas representam a última instância de ação do Estado no desiderato da paz social. Suas atribuições amplas e residuais, reconhecidas no Parecer GM-25[13] (publicado no D.O.U. de 13.08.2001, pág. 06), fundadas na acepção ampla do termo “Ordem Pública”, as coloca como principais garatindoras do Estado Democrático de Direito.

Precede a Polícia Militar o emprego das Forças Armadas, no caso de grave perturbação da ordem, e é neste particular que a educação militar, diferenciada da civil,  encontra sua singular importância.

Nas situações de anormalidade e de convulsão social não pode o Estado, mesmo numa sociedade democrática, deixar de dispor de agentes com qualificação diferenciada e sujeitos a regras diferenciadas, porquanto estarão a enfrentar situações de anormalidade, para buscar o retorno a situação de normalidade.

Neste sentido, uma instituição com uma educação eminentemente militar apresenta as melhores características de controle e de eficiência nas missões atribuídas. Por isso países de primeiro mundo e que alcançaram notável desenvolvimento econômico e social prescindem de organizações policiais militarizadas em sua formação e estrutura. França, Luxemburgo e Argentina tem a Gendarmeria, a Itália e o Chile os Carabineiros, a Espanha a Guarda Civil, Portugal a Guarda Nacional Republicana, todas organizações policiais fundamentalmente militares, cujos integrantes estão sujeitos a educação formadora especializada e diferenciada.

E a característica mais marcante dentre os militares de qualquer natureza e que os tornam distintos das demais profissões se consubstancia no juramente de cumprir fielmente sua missão “mesmo com o risco da própria vida”, prescrito, em Santa Catarina, no artigo 28, inciso I, do Estatuto dos Policiais Militares[14].

Os militares são os únicos agentes públicos que se comprometem a por a vida em risco no cumprimento do dever funcional, de nenhuma outra categoria é exigido tal sacrifício.

Na verdade, é o chamado compromisso de sangue que exige que a educação praticada nas instituições militares receba um tratamento distinto do legislador ordinário, a possibilitar a consecução de suas atribuições constitucionais.

 

 

3. Conclusão

As características e atribuições particulares dos militares em relação aos civis requerem daqueles uma educação diferenciada e específica.

Neste sentido é que o legislador promulgou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação com a previsão de um espaço para o tratamento diferenciado da educação militar.

O reconhecimento da comunidade acadêmica da qualidade da educação militar passa, necessariamente, pela consideração das particularidades desse ensino, que, em alguns aspectos, pode e deve seguir a orientação da comunidade científica, respeitadas suas particularidades.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. Bibliografia

BAYLEY, David H. Padrões de Policiamento: Uma Análise Internacional Comparativa. Tradução René Alexandre Belmonte. São Paulo: EDUSP, 2001.

BERGER, Peter, LUCKMAN, Thomas. A Construção Social da Realidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer nº GM-25: Publicado no Diário Oficial de 13.8.2001.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1983. Disponível em www.pm.sc.gov.br. Acesso em 23 jun. 2007.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9ª edição ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004.

CASTRO, Celso. O Espírito Militar: um Antropólogo na Caserna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da Reação Social. Tradução Estér Kosovski. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983.

GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma sociedade livre. Tradução de Marcello Rolemberg. São Paulo: EDUSP, 2003.

LAZZARINI, Álvaro. Temas de Direito Administrativo. 2ª ed. Ver. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 198.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,  2004.

SANTA CATARINA, Lei nº 6218, de 10 de fevereiro de 1983. Estatuto dos Policiais Militares de Santa Catarina. Disponível em www.pm.sc.gov.br. Acesso em 23 jun. 2007.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, 4 vol.

 

 


[1]BAYLEY, David H. Padrões de Policiamento: Uma Análise Internacional Comparativa. Tradução René Alexandre Belmonte. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 17.

[2] BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1983. Disponível em www.pm.sc.gov.br. Acesso em 23 jun. 2007.

[3] “ O vigor da democracia e a qualidade de vida desejada por seus cidadãos estão determinados em larga escala pela habilidade da polícia cumprir suas obrigações.” GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma sociedade livre. Tradução de Marcello Rolemberg. São Paulo: EDUSP, 2003, p. 13.

[4] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9ª edição ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 133

[5] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, 4 vol., p. 66.

[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,  2004, p. 484.

[7] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9ª edição ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 239.

[8] LAZZARINI, Álvaro. Temas de Direito Administrativo. 2ª ed. Ver. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 198.

[9] “Anomia significa ausência de normas, mas também desorganização social por incapacidade das normas serem eficazmente impostas às condutas. CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da Reação Social. Tradução Estér Kosovski. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983, p. 23.

[10] CASTRO, Celso. O Espírito Militar: um Antropólogo na Caserna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, p. 34.

[11] CASTRO, Op. cit. P. 34

[12] BERGER, Peter, LUCKMAN, Thomas. A Construção Social da Realidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 209.

[13] BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer nº GM-25: Publicado no Diário Oficial de 13.8.2001 p. 06.

[14] SANTA CATARINA, Lei nº 6218, de 10 de fevereiro de 1983. Disponível em www.pm.sc.gov.br. Acesso em 23 jun. 2007.