A PERIGOSA DESUMANIZAÇÃO DA PM

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 Jovem, negro, pobre e morador de comunidade carente, esse é o perfil da maioria das vítimas dos mais de 50.000 homicídios anuais no Brasil, segundo pesquisas científicas. Bruno Rodrigues Pereira tem todas essas características, ou seja, é jovem, é negro, é pobre e é morador de comunidade carente do Rio de Janeiro. Este jovem brasileiro foi assassinado, de forma cruel, no dia 27.09.15, sendo arrastado pelas ruas de uma comunidade pobre pelo simples fato de ser um agente das forças de segurança do Estado – ele era policial militar do Rio de Janeiro.

Bruno fora ao encontro do irmão, que mora numa comunidade, e foi identificado como policial por traficantes locais. A imprensa relata que, embora estivesse em trajes civis, sua farda foi encontrada em seu veículo pelos delinquentes. O jovem foi submetido a um “tribunal” do crime, julgamento realizado por bandidos. Ele teve como pena as “mil mortes” que nos relata Foucault na célebre obra “Vigiar e punir”. Nela, o filósofo francês sublinha a pena imposta a Damiens, condenado à morte pela Justiça francesa por meio do suplício, em público, no ano de 1757.

 A crueldade é o ponto em comum entre as duas execuções. Também fazem intercessão entre os dois macabros eventos, embora tenham ocorrido num lapso temporal de dois séculos e meio um do outro, o espetáculo – mensagem subliminar de dominação, invertida, porquanto o de Damiens representa a dominação por intermédio da violência do Estado em relação aos criminosos, já o de Bruno passa a mensagem de um pseudo poder do tráfico em relação ao Estado e à população – e a inércia da multidão que assiste à barbárie.

Para o suplício de Damiens, um criminoso, o direito penal encontrou uma evolução nestes quase dois séculos e meio que separam as duas mortes. Muitas vozes se levantaram e se insurgiram contra as penas que, embora fossem aplicadas por tribunais legais, não se coadunavam com a
dignidade humana e o nível de evolução das sociedades modernas. Ao contrário, acarretavam ao sistema legal de punição uma pecha muitas vezes maior que a do condenado, servindo como propagadores de uma violência absurda. A sociedade passava a relativizar a espetacularização da dor e da extrema violência.

 Com relação à pena de Bruno, um inocente, imposta por um “tribunal” ilegal e criminoso, ocorrido sob as luzes de uma República Democrática de Direito, assistimos à passividade de seus compatriotas e constatamos a ínfima cobertura da mídia, o silêncio da sociedade civil organizada e do Poder Público. Bruno fora assassinato por pertencer à Polícia Militar dessa mesma República, por ser membro de uma agência do Estado, que é treinada e remunerada para combater o crime.

 O PM Bruno teve a sua farda, o seu distintivo e a sua arma – os símbolos do mandato policial com o qual a sociedade o homologa por meio do Estado – jogados por seus algozes na rua, bem aos pés de seu irmão. Aos olhos da comunidade local, foi torturado; depois, amarrado a  um cavalo montado por um menor de idade, que passou a cavalgar nas ruas e vielas, por quase um quilômetro de distância. Ao final, seu cadáver supliciado foi largado na rua. O jovem soldado deixa esposa e um filho de 10 anos na orfandade.

A mensagem dos traficantes de drogas ilícitas para o Estado e para a sociedade é de afronta e desdém à lei. Causa espécie a quase nula cobertura da mídia a casos de violência quando as vítimas são policiais, se compararmos a casos recentes em que marginais são vítimas de abuso policial. Nestes casos, as matérias jornalísticas são veiculadas à exaustão, com falas de testemunhas, familiares, especialistas, peritos, autoridades, organizações não governamentais,
pessoas do povo, protestos, etc.

 Todos os dias, policiais militares, homens e mulheres, deixam suas famílias e vão patrulhar as ruas e enfrentar a criminalidade. Quando são atacados durante o serviço, ou em razão do seu trabalho, e essas agressões são ignoradas, esquecidas, relativizadas, a mensagem que passamos aos policiais é a de que eles estão sós, sem proteção e legitimidade social, sem segurança jurídica. Dessa forma, podemos criar uma geração de policiais apáticos, omissos e descrentes na missão policial. Este é o melhor dos mundos para os que vivem do crime e da imposição do terror à sociedade. Façamos nossas escolhas.

 Autor: José Kilderlan Nascimento de Sousa.

 Major da PMCE, Mestre em Planejamento e Políticas Públicas/UECE, Especialista em Gestão Pública/FECAP/UPE, Especialista em Administração Escolar/UVA, Bacharel em Segurança Pública/ APMGEF, Licenciado em Pedagogia/UVA, Bacharel em Direito/ UNICID.

 Email: kilderlansouza@yahoo.com.br